Bico calado
- A Medacs Healthcare, uma empresa controlada pelo
principal doador do Partido Conservador britânico, Lord Ashcroft, fechou um
acordo de vacinação contra a Covid-19 por £ 350 milhões. Mais uma vez, tudo em
segredo. Mas sabe-se que a empresa tem um histórico mau. Um relatório de 2019
considerou os seus serviços de atendimento "inadequados" e "não
seguros", incluindo a administração de "potenciais
sobredosagens" de medicamentos. Peter Geogheg
e Russell Scott,
openDemocracy.
- Como funciona a hipocrisia: o vigarista condenado Alexei
Navalny é preso por fintar a fiança, alega sem evidências credíveis ter sido
envenenado e é um herói no Ocidente. Julian Assange, condenado por nada, expõe
crimes de guerra dos EUA, é demonizado, e negam-lhe uma fiança. Finian
Cunningham, Sputnik.
- Façamos um teste rápido. Digam o nome de alguns
ditadores. Aposto que a maioria de vocês avançou apenas com alguns dos mesmos
nomes: Assad, Putin, Castro, Kim Jong-un, Gaddafi, Maduro. Não porque sejam os
únicos ditadores do mundo (longe disso), ou porque todos tenham necessariamente
direito ao título, mas porque são as figuras mais vezes rotuladas como tais
pelos nossos media. Os estudos "Freedom in the World" da Freedom
House consideram que 49 países - mais de um quarto dos governos do mundo -
"não são livres", sinónimo de "ditaduras". Então por que é
que as pessoas mais experientes politicamente não sabem os nomes de todos esses
ditadores? Por que é que eles não são tão conhecidos, como Assad e companhia?
Será porque os EUA fornecem assistência militar (treino, vendas e ajuda) a três
quartos deles, como sugere o estudo de Rich Whitney publicado na TruthOut de 23set2017. Definir e quantificar o que constitui e não constitui uma
ditadura é complicado, e o forte viés político conservador da Freedom House
torna a sua lista e considerações ainda mais questionáveis. Por um lado, a
organização "não governamental" é, de facto, esmagadoramente financiada por Washington,
que a contratou em 2006 para realizar "atividades clandestinas", ou
seja, operações de mudança de regime no Irão. Aliás o responsável pela
compilação da lista admitiu que a sua metodologia se baseava em “palpites e
intuição”. Os governos listados pela Freedom House como ditaduras,
também considerados Inimigos Oficiais pelos media corporativos são, por
exemplo, Rússia, Cuba, Síria,
Bielorrússia, Coreia do Norte e Venezuela. Mesmo assim, os “nossos
ditadores” - isto é, os governos “não livres” que Washington apoia - raramente
são rotulados como ditaduras pela imprensa oficial. Na verdade, há muito pouca
cobertura destes países que estão “a portar-se bem” aos olhos do Departamento
de Estado dos EUA. Vejamos a cobertura que a imprensa faz a quatro
“ditadores” da Freedom House que recebem ajuda militar dos EUA, todos motivo de
notícia recente: Paul Biya dos Camarões, Abdel el-Sisi do Egito, Abdelaziz
Bouteflika da Argélia e Nursultan Nazarbayev do Cazaquistão. Paul Biya, de 86 anos, é o chefe de estado há mais tempo
no poder no mundo, está no poder nos Camarões desde que Gerald Ford era
presidente. Recentemente, conquistou um sétimo mandato numas eleições que a
Foreign Policy descreveu como uma “farsa”. Os Camarões têm sido notícia
ultimamente, devido aos abusos dos direitos humanos cometidos pelo governo, levando
o país à beira de uma guerra civil. A Freedom House considera-o um dos países
menos livres do mundo. No entanto, quando discutido, Biya é apresentado com
naturalidade pelos media, sem precisarem de o chamar “ditador”. O New York
Times de 10jun2018 apresenta-o eufemisticamente como "um dos
presidentes mais antigos do mundo". Pela cobertura, os leitores nunca
saberiam que ele é um ditador, mesmo segundo os padrões da Freedom House. Na
verdade, durante 20 anos de cobertura no Times, Biya nunca foi descrito como um
“ditador”, “déspota”, “tirano” ou qualquer outra designação semelhante. O general Abdel el-Sisi chegou ao poder no Egito em 2013,
num golpe militar que derrubou o governo democraticamente eleito do presidente
Mohamed Morsi. Sisi anunciou recentemente o seu plano de governar até 2034 -
efetivamente para sempre. Apesar disso, tem gozado de grande apoio
internacional porque, segundo o NYtimes de14fev2019 ser “um baluarte contra a militância islamista”. Apesar de Abdelaziz Bouteflika, ter chegado ao poder na
Argélia de forma fraudulenta e governar com mão de ferro há 20 anos, os media,
por exemplo, a CNN de 11mar2019, abstiveram-se de o descrever como um ditador. Pelo
contrário, alguns media consideram-no democrata e um artifice da estabilidade e
da restauração da honra do exército. Outro governante apoiado militarmente pelos EUA é
Nursultan Nazarbayev, no poder no Cazaquistão desde 1989. Nazarbayev tem uma
longa história de repressão à liberdade de expressão, imprensa e religião, e
usa a tortura contra os seus adversários políticos. Apesar disso, merece
apreciação positiva no NYTimes de 19mar2019, elogios por ter mantido a estabilidade no país durante
tanto tempo (Associated Press, 19mar2019) e até mesmo por ser um líder visionário, "que
liderou a antiga república soviética para fora da implosão caótica do
império", alegando que levou o Cazaquistão a uma nova era pacífica e
próspera, enquanto "construía uma identidade nacional"(WashingtonPost 29mar2019). Concluindo, o rótulo de “ditador” é um meio poderoso de preparar o leitor para ver um determinado país ou líder de determinada
maneira. Os leitores são convidados a sentir-se indignados com os crimes de
Assad, Putin ou outros chefes de Estado anti-EUA, enquanto governantes
autoritários que seguem a linha dos EUA são ignorados ou mesmo elogiados. A
escolha de usar uma palavra como “ditador” enquadra um país segundo os
interesses da elite dos EUA, transmitindo legitimidade ou a falta dela num
único rótulo. Alan MacLeod, Dictator: Media Code for
‘Government We Don’t Like’ - FAIR.
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