sábado, 12 de dezembro de 2020

Bico calado

  • «Nas Olimpíadas que consistem em aproveitar a ocasião do obituário para o exercício da auto-celebração e da afirmação de si próprio, este “testemunho” de Clara Ferreira Alves fica em primeiro lugar no podium (…) Não é de agora esta falta de pudor: sempre que morre alguém famoso e com obra, os amigos, os que o frequentaram, os que foram seus anfitriões, os que com ele partilharam momentos registados num álbum de vaidades e aspirações, manifestam toda a sua exuberância narcísica, esquecem a obra e reivindicam para si uma afinidade electiva com o notável, sem peceberem o quanto o “eu é odioso”.» António Guerreiro, Público 11dez2020, a propósito de afirmação de Clara Ferreira Alves, sobre Eduardo Lourenço, no Expresso de 4dez2020: “Eis como me lembro dele. Uma casa, a minha. Em Lisboa. Um longo corredor cheio de estantes, e lá andava Eduardo Lourenço a cirandar à cata de livros”.
  • «O 'Grupo José de Mello' acaba de anunciar uma doação de 12 milhões de euros à Universidade Católica e à 'Católica Lisbon School of Business & Economics'.  São 12 milhões de lucros que vêm: em primeiro lugar, da Brisa, um aspirador de dinheiros públicos e dos salários de quem usa as autoestradas, para os sacos dos accionistas do grupo; em segundo, das 'CUF', os serviços privados de saúde, com grandes margens de lucro, do 'Grupo Mello', geridos com médicos e enfermeiros desviados do Serviço Nacional de Saúde. Entretanto, as universidades públicas têm dificuldades em pagar a investigadores, docentes e até os detergentes para a desinfecção e limpeza. No Serviço Nacional de Saúde, os médicos e enfermeiros trabalham com cargas horárias excessivas e não são aumentados. Enquanto faz doações multimilionárias, com direito a missas e rezas de agradecimento, o 'Grupo Mello', directamente ou através dos seus administradores, exige ou pede: a) compensações ao Estado pela quebra de receitas nas autoestradas; b) doações de alimentos a todos os cidadãos porque a assistência social do Estado não tem verbas para alimentar os pobrezinhos. É Natal, ninguém leva a mal.» Miguel Szymanski, Presente de Natal no valor de 12 milhões - FB.
  • «Há nos telejornais portugueses práticas particularmente estranhas e absolutamente intoleráveis em termos jornalísticos. Uma dessas práticas é a que consiste em fazer dos diretores de jornais “comentadores” dos telejornais. Sobre matérias bastante diversas, como é aliás hábito num jornalismo português em que os “tudólogos” são legião. Quando se é promovido a diretor de jornal (de preferência diário), passa-se automaticamente a “comentador”! Com uma perspetiva de futuro clássica e terrivelmente caricatural: quando se deixa de ser diretor, deixa-se automaticamente de ser “comentador” de telejornal! Passe o Leitor em revista os sucessivos diretores dos diários ditos “nacionais” e verão que é bem assim. (…) Por que irão os leitores tradicionais comprar no dia seguinte jornais, se já sabem pela televisão o que pensam os seus diretores, que são aliás os editorialistas habituais desses jornais? Isto para além mesmo de uma evidência: não deveriam os diretores de jornais estar preferentemente a essa hora nas suas redações a reler e ajustar textos de redatores e colaboradores, e a assumir o fecho das edições? Outra prática absolutamente insuportável é a que consiste em ver regularmente jornalistas a tratar convidados unicamente pelo nome próprio (sem o apelido) e até mesmo por “tu”. Como é absolutamente intolerável que o jornalista trate corretamente o seu convidado pelo título académico, por exemplo, e o convidado trate o jornalista apenas pelo nome próprio, estabelecendo assim com aquele uma inadmissível relação de superioridade, que nada autoriza. (…) Vem depois juntar-se a estas duas exigências um demasiado generalizado amadorismo, falta de exigência e de rigor, um “aproximativismo” que redunda num “é tudo igual ao litro”, que tanto caraterizam a sociedade portuguesa. Queixemo-nos depois de que o jornalismo em Portugal não esteja à altura das necessidades de uma democracia moderna, no sentindo mais pleno e polivalente do termo…» J.-M. Nobre-Correia, Duas estranhas práticasNotas decircunstância 2.
  • «As 25 maiores empresas de venda de armas do mundo viram aumentar o seu negócio em 8,5% em 2019, de acordo com os números divulgados esta semana pelo Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo. O seu volume de vendas conjunto ascendeu a 361 mil milhões de dólares. Entre essas empresas está a gigante francesa Thales que na terça-feira conseguiu adiar para 23 de Fevereiro o início do julgamento na África do Sul em que está acusada, junto com o ex-Presidente sul-africano Jacob Zuma, de pagar subornos milionários em troca de contratos estatais. Há 17 anos que o ex-chefe de Estado e a multinacional francesa têm conseguido evitar que o caso seja julgado.» António Rodrigues, Público 11dez2020.

Sem comentários: