Bico calado
- «Nas Olimpíadas que consistem em aproveitar a ocasião do
obituário para o exercício da auto-celebração e da afirmação de si próprio,
este “testemunho” de Clara Ferreira Alves fica em primeiro lugar no podium (…)
Não é de agora esta falta de pudor: sempre que morre alguém famoso e com obra,
os amigos, os que o frequentaram, os que foram seus anfitriões, os que com ele
partilharam momentos registados num álbum de vaidades e aspirações, manifestam
toda a sua exuberância narcísica, esquecem a obra e reivindicam para si uma afinidade
electiva com o notável, sem peceberem o quanto o “eu é odioso”.» António
Guerreiro, Público 11dez2020, a propósito de afirmação de Clara Ferreira Alves,
sobre Eduardo Lourenço, no Expresso de 4dez2020: “Eis como me lembro dele. Uma
casa, a minha. Em Lisboa. Um longo corredor cheio de estantes, e lá andava
Eduardo Lourenço a cirandar à cata de livros”.
- «O 'Grupo José de Mello' acaba de anunciar uma doação de
12 milhões de euros à Universidade Católica e à 'Católica Lisbon School of
Business & Economics'. São 12
milhões de lucros que vêm: em primeiro lugar, da Brisa, um aspirador de
dinheiros públicos e dos salários de quem usa as autoestradas, para os sacos
dos accionistas do grupo; em segundo, das 'CUF', os serviços privados de saúde,
com grandes margens de lucro, do 'Grupo Mello', geridos com médicos e
enfermeiros desviados do Serviço Nacional de Saúde. Entretanto, as
universidades públicas têm dificuldades em pagar a investigadores, docentes e
até os detergentes para a desinfecção e limpeza. No Serviço Nacional de Saúde,
os médicos e enfermeiros trabalham com cargas horárias excessivas e não são
aumentados. Enquanto faz doações multimilionárias, com direito a missas e rezas
de agradecimento, o 'Grupo Mello', directamente ou através dos seus
administradores, exige ou pede: a) compensações ao Estado pela quebra de
receitas nas autoestradas; b) doações de alimentos a todos os cidadãos porque a
assistência social do Estado não tem verbas para alimentar os pobrezinhos. É
Natal, ninguém leva a mal.» Miguel
Szymanski, Presente de Natal no valor de 12 milhões - FB.
- «Há nos telejornais portugueses práticas particularmente
estranhas e absolutamente intoleráveis em termos jornalísticos. Uma dessas
práticas é a que consiste em fazer dos diretores de jornais “comentadores” dos
telejornais. Sobre matérias bastante diversas, como é aliás hábito num
jornalismo português em que os “tudólogos” são legião. Quando se é promovido a
diretor de jornal (de preferência diário), passa-se automaticamente a
“comentador”! Com uma perspetiva de futuro clássica e terrivelmente
caricatural: quando se deixa de ser diretor, deixa-se automaticamente de ser
“comentador” de telejornal! Passe o Leitor em revista os sucessivos diretores
dos diários ditos “nacionais” e verão que é bem assim. (…) Por que irão os
leitores tradicionais comprar no dia seguinte jornais, se já sabem pela
televisão o que pensam os seus diretores, que são aliás os editorialistas
habituais desses jornais? Isto para além mesmo de uma evidência: não deveriam
os diretores de jornais estar preferentemente a essa hora nas suas redações a
reler e ajustar textos de redatores e colaboradores, e a assumir o fecho das
edições? Outra prática absolutamente insuportável é a que consiste em ver
regularmente jornalistas a tratar convidados unicamente pelo nome próprio (sem
o apelido) e até mesmo por “tu”. Como é absolutamente intolerável que o
jornalista trate corretamente o seu convidado pelo título académico, por
exemplo, e o convidado trate o jornalista apenas pelo nome próprio,
estabelecendo assim com aquele uma inadmissível relação de superioridade, que
nada autoriza. (…) Vem depois juntar-se a estas duas exigências um demasiado
generalizado amadorismo, falta de exigência e de rigor, um “aproximativismo”
que redunda num “é tudo igual ao litro”, que tanto caraterizam a sociedade
portuguesa. Queixemo-nos depois de que o jornalismo em Portugal não esteja à
altura das necessidades de uma democracia moderna, no sentindo mais pleno e
polivalente do termo…» J.-M. Nobre-Correia, Duas estranhas práticas – Notas decircunstância 2.
- «As 25 maiores empresas de venda de armas do mundo viram
aumentar o seu negócio em 8,5% em 2019, de acordo com os números divulgados esta semana
pelo Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo. O seu
volume de vendas conjunto ascendeu a 361 mil milhões de dólares. Entre essas
empresas está a gigante francesa Thales que na terça-feira conseguiu adiar para
23 de Fevereiro o início do julgamento na África do Sul em que está acusada,
junto com o ex-Presidente sul-africano Jacob Zuma, de pagar subornos
milionários em troca de contratos estatais. Há 17 anos que o ex-chefe de Estado
e a multinacional francesa têm conseguido evitar que o caso seja julgado.»
António Rodrigues, Público 11dez2020.
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