quarta-feira, 12 de junho de 2019

Bico calado

  • «(…) O discurso de João Miguel Tavares correspondeu ao que esperava dele, em vez de génio e grandeza, ele exaltou o português da mini do snack bar da cidade, aquele português que sucedeu sem percalços ao português de Salazar do copo de três na tasca da aldeia. O mesmo português do respeitinho, servil, de chapéu na mão, um tanto alarve. (…) João Miguel Tavares proferiu uma arenga retirada da letra do fado Uma Casa Portuguesa: Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente. Quatro paredes caiadas, um cheirinho a alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim, um São José de azulejo… (…) Acontece que a arenga de JMT explorou os sentimentos mais baixos das turbas: a resignação, o servilismo hipócrita e a recusa de cada português assumir as suas responsabilidades. Populismo do mais reles. A demagogia do discurso assentou em dois pilares clássicos, já utilizados por Salazar na definição da sua família na capa do livro da 3ª Classe da Escola Primária: os portugueses querem uma vidazinha, uma casinha,  os filhos educados, pão e vinho sobre a mesa, um emprego no Estado, uma semana no Algarve, referiu o tribuno, numa concessão pós-moderna. Mais, os portugueses devem abster-se de assumir responsabilidades políticas – a política é uma porca e os políticos uns malandros da pior espécie, disse ele por outras palavras. Só não esclareceu que somos nós, os portugueses, a escolhê-los e a elegê-los, porque isso nos responsabiliza e o discurso da JMT é o da irresponsabilidade. Se os portugueses soubessem o que custa mandar preferiam obedecer, já Salazar sentenciou. (…) No Portugal de Salazar o vinho dava de comer a um milhão de Portugueses. No Portugal apresentado por João Miguel Tavares, são as mini que alimentam os seus portugueses e umas maledicências com tremoços. Quer isto dizer que alguns temas da letra do fado que João Miguel Tavares proferiu em Portalegre, da corrupção à irresponsabilidade, não são candentes e não devem ser enfrentadas e punidas? Não, em absoluto. Quer apenas dizer que neste dia, ainda mais do que nos outros, devemos apelar ao que melhor temos, aos nossos melhores, que devemos ser individualmente mais exigentes em vez de nos lamuriarmos e de clamarmos por salvadores que nos conduzam como um rebanho. Nem uma palavra sobre o que julgo ser grande problema da democracia portuguesa: o sistema judicial em roda livre e coberto de privilégios. O discurso deste 10 de Junho foi um discurso salazarista, com meio século de atraso, que podia ter sido proferido por um antigo graduado da Mocidade Portuguesa. Felizmente Portugal tem muito melhor que este JMT. Infelizmente são estes demagogos sem história que sobem às tribunas da opinião pública. Não é por acaso… e é perigoso…» Carlos Matos Gomes, in O Portugal da Mini – um discurso salazarista em Portalegre - Jornal Tornado, 10 de Junho de 2019.
  • «Não lhe bastando para megafones o Conselheiro comentador, os jornalistas solícitos e o clero que lambe em deprimentes beija-mãos, ameaça desbaratar o prestígio que adquiriu por mérito próprio e comparação com o antecessor. Exige ser o mediador, o contrapeso partidário e fiel de uma balança que não lhe pertence, nem lhe cabe equilibrar. (…) Marcelo gosta de embaraçar o PR e, no seu narcisismo, compromete a livre competição partidária, onde a sua ingerência é insensata e perigosa, condicionando o Governo e as decisões da AR. A sua influência na nova lei de bases do SNS, com a exótica exigência de que deve ser negociada entre os dois maiores partidos, é uma ingerência perniciosa na decisão da AR e numa matéria cujo precedente foi idêntico. A anterior Lei de Bases foi da autoria dos partidos que votaram contra a criação do SNS e a atual é negociada pelos que o criaram. Esta é a proposta de uma ministra sem pactos com empresas privadas, para dotar o país de um diploma contestado por elas e as IPSSs. Era natural que fosse aprovada pelos herdeiros e contestada pelos ex-opositores do SNS. (…) As PPPs são pretexto para o combate político. São indispensáveis, a nova Lei de Bases não as enjeita, mas não podem ser hegemónicas e um instrumento para destruir o SNS.  A proposta do Governo era equilibrada, viável e honesta, defendida por uma ministra de invejável qualificação, passado impoluto e grande coragem. Se a esquerda não for capaz de se entender sobre o mais emblemático serviço público, não é o Governo que perde, os governos passam, é o povo português que será progressivamente espoliado do melhor dos seus direitos e do mais fecundo dos seus benefícios. E um dia, demasiado tarde, os portugueses dar-se-ão conta de quem o enganou.» Carlos Esperança, FB.
  • «(…) O que há entre nós não é uma crise de confiança no regime democrático. O que temos, crescentemente espalhada e visível, é uma crise de cidadania Não há crise do regime político, até porque a alternativa não é outra que não a ditadura. Há, sim, crise de representação política, do modo de fazer política, de fazer a politica chegar aos cidadãos, de tornar o discurso político mais eficaz e mais próximo dos problemas das pessoas. É diferente. Mas quem se pode queixar disso são os que querem mais e melhor política e não os que querem menos. Os que querem estar mais bem informados para melhor poderem decidir, não os que apenas querem ir vomitar ódio e insultos para as redes sociais ou debitar alarvidades fruto da ignorância para os fóruns das rádios ou para as mesas dos cafés. O que há entre nós não é uma crise de confiança no regime democrático — porque para isso seria preciso que existisse uma larga maioria de verdadeiros democratas, o que está por demonstrar. O que temos, crescentemente espalhada e visível, é uma crise de cidadania, que se manifesta em muitos outros domínios, tão ou mais gravemente do que a escandalosa abstenção eleitoral. É uma crise de valores individuais e de vida em sociedade. Um défice de educação, de cultura, de informação, de história, de civismo, por vezes mesmo, de decoro e de vergonha. É por isso que casos como o de Berardo são tão devastadores, em termos colectivos. Ao olhar para alguém tão privilegiado como ele e, em lugar de ver um envergonhado devedor, vê um orgulhoso fanfarrão por ter conseguido subtrair todo o seu património aos credores, o português normal é levado a pensar que, de facto, ter valores e ter vergonha não compensa. E ao ver os administradores da Caixa — gente paga a peso de ouro por alegadamente serem a nata da arte bancária — desfilarem, um por um, para explicarem que nenhum deles teve a mais pequena responsabilidade ou má práctica na situação que permitiu a Berardo conseguir o que conseguiu, o português normal aprende que quanto mais alto se sobe mais impune se fica.(…)» Miguel Sousa Tavares, in Expresso, 8jun2019.

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