Porque será que a barragem de retenção de rejeitos de minério de ferro é normalmente reduzida a uma simples barragem quando os media portugueses falam da tragédia do Côrrego do Feijão, em Brumadinho?
Já dei voltas e voltas à imaginação e ainda não encontrei resposta. Não acredito que seja pura e dura preguiça dos jornalistas de serviço. É que com esse pormenor da «barragem», o ouvinte penos informado será levado a crer que a tragédia foi provocado por uma enxurrada resultante de uma tromba de água e, que, portanto, nada se poderá fazer porque a tragédia teve origem natural, e contra isso, apenas resta rezar pelos mortos e continuar a fazer o mesmo, cometendo os mesmos erros.
Sobre a mesma tragédia, há outro pormenor que os nossos noticiários também menosprezam:
as 300 pessoas desaparecidas não são pessoas quaisquer. Dois terços delas eram trabalhadores da Vale que estavam a almoçar na cafeteria.
Fosse um caso de futebol, - exceção, claro à pena do Ronaldo por fraude fiscal enquanto jogava pelo Real Madrid -, os media não se cansariam de explorar à exaustão pormenores como estes referidos pelo The Intercept:
- que a ampliação da capacidade da Mina Córrego do Feijão não era bem aceite pela população de Belo Horizonte
- que o Fórum Nacional da Sociedade Civil na Gestão de Bacias Hidrográficas (Fonasc) pediu ao secretário do Meio Ambiente, Germano Luiz Gomes Vieira, a suspensão do processo de licenciamento dessa ampliação.
- que a Vale, com o beneplácito do governo estadual, concedeu a licença fazendo de conta que o empreendimento era de menor envergadura.
- que o Fonasc pediu a Breno Esteves Lasmar, presidente da Câmara de Atividades Minerárias, a rejeição do pedido de licenciamento da Vale por ser uma «insanidade», por terem minimizado o seu impacto minimizado e por haver problemas técnicos, nomeadamente a falta da correta delimitação da área
- que a expansão atingiria o Parque Estadual da Serra do Rola Moça, colocando em risco as mananciais que a unidade de conservação protege – cursos d’água como Taboão, Rola Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina, todos fontes de abastecimento da população da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
- que há mais de 10 anos que a população local se queixa do desmatamento ilegal e a má qualidade da água contaminada pela mineração, responsável pelo elevado número de problemas dentários.
- que os problemas na barragem tinham sido identificados por uma consultoria contratada pela mineradora, a empresa Nicho Engenheiros Consultores Ltda, uma firma de Belo Horizonte e que a Vale fora alertada sobre falhas nos procedimentos de controle e manutenção da barragem, mas omitira as informações para a população.
- que uma outra mineradora, a A Flapa Minerações e Incorporações, foi condenada a se retratar, sob pena de multa de R$ 500 mil por dia de descumprimento, por coagir funcionários a votar em Bolsonaro.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que o governo será muito rigoroso no apuramento das responsabilidades.
Conhecemos este tipo de tiradas para a fotografia. O ministro alinha pelo diapasão do chefe e foram eles que há muito prometeram a flexibilização da legislação ambiental para acelerar o desenvolvimento do país. O próprio diretor executivo da empresa alemã, Fabio Schvartsman, que tem vistoriado as minas da Vale, a TUV SUD, já veio dizer que as últimas inspeções não tinham detetado nada de anormal.
Mas também sabemos que, em 2010, a TUV SUD foi suspensa por uma comissão das alterações climáticas das Nações Unidas por não respeitar procedimentos e por «dar uma opinião de validação positiva para alguns projetos, apesar de haver dúvidas».
Também sabemos que as ações da Vale caíram 17% e que isso não resgata centenas de vidas ceifadas pela ganância e incúria de gente sem escrúpulos. O mesmo tipo de gente (Samarco Mineracao SA = Vale+ BHP Billiton) responsável por tragédia semelhante ocorrida em Mariana há pouco mais de 3 anos.
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