quinta-feira, 17 de maio de 2018

Reflexão – Impactos da atribuição de preços à Natureza

Foto: Diogo Sá Lima 15mai2018.

«Quase todos os documentos oficiais sobre questões ambientais são agora recheados de referências a “capital natural” e à Comissão do Capital Natural, o órgão que o governo britânico criou para estabelecer o preço do mundo vivo e desenvolver um conjunto de “contas nacionais de capital natural”.

O governo argumenta que sem um preço, a natureza não tem valor, e então tomam-se decisões irracionais. Ao atribuir preços à natureza, garante-se que ela comanda o investimento e a proteção que atraem outras formas de capital. Esta filosofia baseia-se numa série de equívocos. O próprio o nome revela uma confusão: o capital natural é uma contradição em termos. O capital é normalmente entendido como o segmento de riqueza produzido pelo homem que é incluído na produção para criar mais retornos financeiros. Conceitos como capital natural, capital humano ou capital social podem ser usados como metáforas ou analogias, apesar de serem enganadores. Mas o plano de 25 anos define capital natural como “o ar, a água, o solo e os ecossistemas que sustentam todas as formas de vida”. Por outras palavras, a natureza é capital. Na realidade, a riqueza natural e o capital humano não são comparáveis nem intercambiáveis. Se o solo for arrastado, não podemos cultivar sobre uma cama de derivados.
Uma falácia semelhante aplica-se ao preço. A menos que algo seja resgatável por dinheiro, o símbolo da libra ou do dólar colocado junto dele não faz sentido: o preço representa uma expectativa de pagamento, de acordo com as taxas de mercado. Ao atribuir um preço a um rio, uma paisagem ou um ecossistema, ou você está a colocá-lo à venda, o que é um exercício sinistro, ou não está, o que não faz sentido.
Ainda mais confusa é a expectativa de que podemos defender a natureza através da filosofia que o está a destuir. As noções de que a natureza existe para nos servir, de que o seu valor consiste nos benefícios instrumentais que podemos extrair dela, de que esse valor pode ser medido em termos de dinheiro e de que o que não pode ser medido não tem valor, provaram ser letais para a vida na Terra.
A agenda do capital natural, dizem os seus defensores, é "uma arma adicional na luta pela proteção do campo". Mas ele não adiciona, subtrai. Como argumenta o filósofo Michael Sandel em “O que o dinheiro não pode comprar”, os valores do mercado eliminam os valores de não mercado. Os mercados mudam o significado das coisas que discutimos, substituindo obrigações morais por relações comerciais. Isso corrompe e degrada os nossos valores intrínsecos e esvazia a vida pública dos argumentos morais.
É também contraproducente: os incentivos financeiros minam a nossa motivação para agir em prol do bem público. “Altruísmo, generosidade, solidariedade e espírito cívico são… como músculos que se desenvolvem e se fortalecem com o exercício. Um dos defeitos da sociedade movida pelo mercado é que ela deixa essas virtudes definharem”. Então quem vai resistir a essa mentalidade destrutiva? Não serão os grandes grupos conservacionistas. Na revista BBC Wildlife deste mês, Tony Juniper - que em outros aspectos é um defensor admirável da natureza - diz que usará o seu novo cargo como chefe de campanhas do WWF para promover a agenda do capital natural.
Talvez ele não se lembre de que, em 2014, o WWF encomendou um estudo para testar esta abordagem. Concluiu-se que quando as pessoas se lembram do valor intrínseco da natureza, elas são mais propensas a defender o planeta vivo e apoiar o WWF do que quando elas são expostas a argumentos financeiros. Concluiu-se também que usar ambos os argumentos ao mesmo tempo produz o mesmo resultado que o financeiro: a agenda do capital natural minou a motivação intrínseca das pessoas.
Isso foi esquecido? Às vezes interrogo-me se se aprende alguma coisa no conservacionismo, ou se as grandes ONGs estão para sempre destinadas a seguir uma trilha circular, repetindo constantemente os seus erros. Em vez de contribuir para a alienação e o desencanto que a mentalidade comercial promove, elas deviam ajudar a enriquecer nosso relacionamento com a natureza.
A agenda do capital natural é a expressão definitiva do nosso afastamento em relação À natureza. Primeiro perdemos a nossa vida selvagem e maravilhas naturais. Depois, perdemos as nossas ligações com o que resta da vida na Terra. Depois, perdemos as palavras que descreviam o que conhecíamos. Depois, chamamos a isso capital e damos-lhe um preço. Esta abordagem é moralmente errada, intelectualmente vazia, emocionalmente alienante e autodestrutiva.
Os que estão motivados pelo amor ao planeta vivo não devem hesitar em dizê-lo. Nunca subestimem o poder dos valores intrínsecos. Eles inspiram toda a luta por um mundo melhor.»

George Monbiot, in The Guardian 15mai2018.

1 comentário:

OLima disse...

A propósito deste tema, ver «Que economia verde quer Jorge Moreira da Silva?» neste blogue, em 19mai2015.
https://onda7.blogspot.pt/2015/05/que-economia-verde-quer-jorge-moreira.html