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«É uma “guerra” que dura há vários anos, mas que se acentuou em 2017 devido à seca severa. De um lado está o governo autonómico da província espanhola de Castilha-La Mancha, autarcas, ambientalistas e população em geral. Do outro estão as mesmas forças mas da província de Múrcia. No meio, sob grande pressão, está o Governo central. Em causa está a água do Tejo. Ou melhor, a água que é transvazada desde 1981 de duas barragens de Castilha para uma em Múrcia: o conhecido transvase Tejo-Segura, que pode levar por ano até cerca 600 hm3 de água até ao levante espanhol.
Os primeiros, com os rios com caudais baixos e as barragens com mínimos de água, pedem o fim do transvase, gritando que a água é deles e que “nem mais uma gota” deve ir para Múrcia. Os segundos, que precisam da água para regar a chamada horta de Espanha, gritam que “a água de Espanha é de toda a Espanha”.
O governo tenta jogar nos dois tabuleiros. Por um lado anuncia grandes planos de combate à seca; por outro, o transvase fica sempre de fora. Vai fazendo valer o argumento de que a água do Tejo para o Segura gera 100 mil empregos na região de Múrcia e vale 2364 milhões de euros para a economia espanhola.
Em meados de Novembro, autarcas e ambientalistas espanhóis de Castilha-La Mancha, em declarações ao PÚBLICO, lançaram um aviso a Portugal: a guerra da água que hoje se vive no país vizinho pode um dia ser ibérica. “A guerra hoje é em Espanha, mas não duvides, um dia, quando houver ainda menos água aqui, que a guerra vai ser entre Portugal e Espanha. Acreditas que Espanha vai deixar passar para Portugal a água que passa hoje, se precisar urgentemente dela? Só um tolo pensaria tal. Preparem-se: os portugueses também vão sofrer o que nós estamos a sofrer”, disse Manuel Ganãn, presidente da Assembleia de Defesa do Tejo na cidade de Aranjuez.
Estará no horizonte uma disputada mais acirrada entre Portugal e Espanha pela água? O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, acredita que não. Salientando que Espanha tem sempre cumprido a Convenção de Albufeira — tratado que define a gestão das águas transfronteiriças e que cumpre 20 anos em 2018 —, o governante diz que a disputa espanhola “é uma questão regional”. “Não estou a ver onde é que ela em algum momento pode prejudicar Portugal ou criar tensão entre os dois países. Qualquer alteração ao que existe [no transvase] é ser mais modesto quanto ao volume e, portanto, na pior das hipóteses, é neutra para Portugal e até nos pode beneficiar”, afirma.
Num encontro recente entre os ministros do Ambiente dos dois países, Espanha recusou a pretensão portuguesa de os caudais semanais de água que o país vizinho passa para Portugal passarem a diários. Matos Fernandes diz, porém, que a discussão ainda “está em cima da mesa” e “será feita no futuro”. “Entre Portugal e Espanha existe uma convenção que funciona e que é reconhecida a nível internacional. Portugal sente que este não é o momento para mexer nela. Não se discutem caudais em tempos de seca. Aquilo que nós queremos não é mais água, é uma maior regularidade. Espanha continuará a cumprir o tratado e não vejo qualquer disputa no futuro. Estou completamente tranquilo”, assegura o ministro.
Opinião diferente tem Paulo Constantino, porta-voz da plataforma proTEJO. “Essa guerra já existe. Já existe um conflito entre Portugal e Espanha pela água e vai acentuar-se cada vez mais.” Para o ambientalista, esta é “uma ‘guerra’ não assumida por Portugal porque não interessa”. “É um conflito em que o nosso país é sempre derrotado porque diz ‘sim’ a tudo o que Espanha impõe. Por isso não se fala nela, está sempre tudo bem, quando na verdade não está”, acrescenta.
Paulo Constantino diz que “a convenção de Albufeira tem de ser revista, até porque não está a ser cumprida no que respeita aos caudais ecológicos”. “Portugal tem de exigir mais água, com descargas diárias e mais caudais ecológicos. E não digam que a Espanha não tem água porque tem, e muita”, conclui.
Para Carlos Alberto Cupeto, geólogo e professor da Universidade de Évora, a “guerra” de Espanha “não chegou ainda a Portugal”. “Os tempos são de ‘paz’, mas é nos tempos de ‘paz’ que nos devemos preparar para a ‘guerra’”, acrescenta.
Este especialista em ambiente, sustentabilidade, água e hidrogeologia resume este pensamento em duas palavras: “gestão de proximidade”. “Estragaram-se centenas de milhões de euros em investimentos no Tejo ao longo dos anos que, depois, não foram acompanhados. Falta uma gestão de proximidade dos nossos recursos hídricos”, afirma.
Carlos Alberto Cupeto lembra que “em Londres a quantidade de água da chuva que cai por ano é igual à que cai em Évora”. “Só que eles gerem/aproveitam as pequenas quantidades que caem quase todos os dias; cá não gerimos/aproveitamos as grandes quantidades que caem de vez em quando.”
O geólogo salienta “as grandes quantidades de água tratada que se estraga na limpeza de ruas e a regar relvados — nós adoramos relvados”. “Como a água nunca faltou nas torneiras, as pessoas não valorizam a água. E aqui falta também a tal gestão de proximidade, falta o papel psicológico”, acrescenta.
Cupeto conclui afirmando que a nossa relação com Espanha em matéria de água “vai depender da forma como nos posicionamos, como nos comportamos em relação e esse bem, como o gerimos, valorizamos e aproveitamos”. “Se continuarmos a ter o comportamento que temos tido até aqui, não olhando para o futuro, tudo vai correr mal”, afirma.»
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