Cartoon de Carlos Latuff.
- Eu, “antidemocrata”me confesso, por Nuno Ramos de Almeida, i: «[excertos] A subida ao poder de Hugo Chávez, eleito em 1998, e tomando posse em 1999, veio alterar os dados da situação. O novo poder colocou a companhia petrolífera nas mãos do Estado e usou os rendimentos desta para fazer um conjunto de programas sociais que permitiram às populações dos bairros pobres aceder à saúde, educação e saírem do limiar da pobreza. Esta política de redistribuição dos petrodólares, não alterou a estrutura de propriedade de poder económico do país, mas retirou dezenas de milhões de venezuelanos da pobreza e permitiu que muitos deles começassem a participar no processo político. Tal como antes, a maioria esmagadora da comunicação social era propriedade de grupos privados hostis a Hugo Chávez. Em 2002, esses grupos, criaram situações de violência e manipularam imagens, fazendo passar um incidente que começou com um tiroteio contra manifestantes chavistas, por um ataque a manifestantes da oposição por forças policiais. Com base nessa manipulação, forças militares contra o governo provocaram um golpe de Estado e prenderam o presidente eleito Hugo Chávez. Esse golpe foi imediatamente reconhecido pelos EUA. Nele participaram os órgãos de comunicação social e os atuais políticos que dirigem, nos dias de hoje, a oposição. A descida de milhares de manifestantes dos bairros populares, e a ação de forças militares fiéis ao presidente, conseguiram derrotar o golpe. Nenhum dos intervenientes passou muito tempo na prisão por aquilo que tinha sido feito. Passado um breve período, tudo estava na mesma: os grupos de comunicação social continuavam a fazer “notícias” hostis ao governo e os dirigentes golpistas mantinham-se em liberdade a dirigir a oposição. Em 20 eleições democráticas realizadas, os chavistas ganharam 18. Grande parte com enormes vantagens. Nas restantes duas, Chávez foi derrotado com margem mínima num referendo para um novo texto constitucional que pressupunha a possibilidade de voltar a candidatar-se, e, mais recentemente, Maduro, depois de ter ganho as presidenciais, num país em que o poder executivo é do presidente, perdeu as eleições legislativas em que o PSUV teve 41% e a oposição do MUD, 56%. Nessas eleições verificou-se a “deserção” do voto popular das grandes cidades, dos chavistas para a oposição, tendo o PSUV vencido apenas nas regiões pobres e rurais. Essa derrota é explicada, em grande medida por um conjunto de fatores, os governos de Chávez e de Maduro não conseguiram mudar a estrutura da economia venezuelana, nem do ponto de vista da posse e do poder económico, nem da sua dependência em relação ao petróleo. Este significa 90% das exportações venezuelanas e cerca de 12% do PIB. Aquilo que tinha contribuído para diminuir a pobreza na Venezuela, tinha sido a redistribuição através de programas sociais dos lucros do petróleo. Mesmo antes da crise de 2008, a situação mudou radicalmente, os EUA, com o apoio da Arábia Saudita, conseguiram diminuir o preço do barril de petróleo de uma forma abrupta e isso prejudicou economias de países como Angola, Irão, Rússia, Venezuela e até Brasil. No caso destes dois últimos países, a aposta dos governos de esquerda tinha sido não tocar na estrutura de propriedade do tecido produtivo e apostar apenas numa maior redistribuição social dos lucros das petrolíferas. Com a crise, este programa ficou em ponto morto. A crise económica tirou margem de manobra ao governo venezuelano e a situação agravou-se com a perda de cerca de 30% do PIB, desde os anos do início da crise. No campo partidário, a oposição, apoiada e subsidiada pelos EUA, apostou num plano que tem dado frutos em outros países, agudizar a violência nas ruas, de modo a que o resto de legitimidade democrática do chavismo termine, e se esqueça o facto de ter contribuído para o fim da pobreza de grande parte da população. Estas técnicas estudadas e sistematizadas por Gene Sharp têm-se mostrado eficientes na Sérvia, na Ucrânia, no Quirguistão, na Geórgia e noutros países em que foram utilizadas, com o apoio do Pentágono. Este processo conta com uma autêntica campanha mediática, que tem muito pouco a ver com jornalismo, cujo objetivo é multiplicar o número de mortos entre os manifestantes e esconder os atos de violência da oposição. Só assim se percebe que a maioria dos jornais espanhóis publiquem a fotografia de uma explosão, dizendo que é violência chavista, quando foi um atentado numa esquadra. As televisões afirmem que foram assassinados candidatos, “esquecendo-se”, que eram chavistas que se candidatavam à Constituinte. Que a comunicação social não divulgue notícias sobre chavistas queimados vivos por opositores. E que os média garantam que os números da consulta popular realizada pela oposição são verdadeiros, sem que os registos dos votos e cadernos eleitorais sejam públicos, enquanto contestem a legitimidade da eleição da Constituinte, dizendo-a ilegal, sem se darem ao trabalho de ler o artigo 348 da Constituição, que a regulamenta. Esta cobertura enviesada não serve para denunciar a violência política e a falta de democracia na Venezuela, ela serve para legitimar um golpe de Estado ou uma maior intervenção estrangeira. É a nova lenda das “armas de destruição maciça no Iraque”. Aquilo que os EUA e as oligarquias locais e mundiais contestam na Venezuela não é serem dirigidas por um incapaz, ou até o crescente autoritarismo do governo de Caracas: os EUA e os seus aliados europeus dão-se muito bem com regimes, como o da Arábia Saudita, que condenou, recentemente, à morte 14 pessoas pelo crime de se manifestarem contra a monarquia, e onde não há nem oposição, nem órgãos de comunicação social contrários ao governo. O que esses poderes mundiais nunca perdoaram ao chavismo foi a tentativa de promover uma maior igualdade económica e colocar os pobres no centro da ação política. É isso que é imperdoável para quem manda neste mundo. Como disse Assange, se a Venezuela tivesse a constituição da Arábia Saudita, tudo estaria bem para Washington e o petróleo em “boas mãos”.»
- On the beach 2017. O sinal da guerra nuclear, por John Pilger, in TruePublica: «(Trad. Livre e sumariada] O Congresso dos EUA aprovou uma lei para fazer guerra económica à Rússia, a segunda potência nuclear mais letal do mundo. A única justificação é a promessa de pilhagem. As "sanções" visam também a Europa, principalmente a Alemanha, que depende do gás natural russo e de empresas europeias que fazem negócios legítimos com a Rússia. O embargo foi concebido para forçar a Europa a importar gás americano caro. O objetivo principal parece ser a guerra - guerra real. Nenhuma provocação pode sugerir qualquer outra coisa. Eles parecem desejá-la, embora os americanos não saibam o que é a guerra. A Guerra Civil de 1861-5 foi a última no seu país. A guerra é o que os Estados Unidos fazem aos outros. A única nação que usou armas nucleares contra seres humanos, destruiu, desde então, dezenas de governos, muitas deles democracias, e destruíram sociedades inteiras - o milhão de mortes no Iraque foi uma fração da carnificina na Indochina, que presidente Reagan chamou "uma causa nobre". O ano passado, quando eu filmava no Lincoln Memorial, em Washington, ouvi um guia a falar para um grupo de jovens estudantes. "Ouçam", disse ele. "Perdemos 58 mil jovens soldados no Vietname, e eles morreram a defender a tua liberdade". Subitamente, a verdade tinha sido invertida. Nenhuma liberdade foi defendida. A liberdade foi destruída. Um país campesino foi invadido e milhões de pessoas foram mortas, mutiladas, espoliadas, envenenadas. Faz-se uma lobotomia em cada geração. Os factos são apagados. A história é apagada e substituída pelo que a revista Time chama de "um eterno presente". Harold Pinter descreveu isso como "manipulação do poder em todo o mundo, enquanto se disfarça como uma força para o bem universal, um ato de hipnose brilhante, até mesmo espirituoso e bem sucedido [o que significava] que nunca aconteceu. Nada aconteceu. Mesmo quando estava acontecendo, não estava a acontecer. Não importava. Não interessava. Prepara-se um golpe contra o homem na Casa Branca. Não porque ele seja um odioso ser humano, mas porque ele fez saber que não quer guerra com a Rússia. Este vislumbre de sanidade ou pragmatismo simples é um anátema para os gestores da "segurança nacional" que protegem um sistema baseado em guerra, vigilância, armamentos, ameaças e capitalismo extremo. Eles cercaram a Rússia e a China com mísseis e um arsenal nuclear. Eles usaram neonazis para instalar um regime instável e agressivo na fronteira da Rússia - o seu objetivo é desmembrar a Federação Russa moderna. Mas a ameaça é simultânea. A Rússia é a primeira, a China é a próxima. Os EUA acabaram de completar um grande exercício militar com a Austrália chamado O Sabre Talisman. Treinaram um bloqueio do Estreito de Malaca e do Mar da China Meridional, as principais vias económicas da China. O almirante que comanda a frota dos Estados Unidos no Pacífico disse que, "se necessário", ´mandava bombas atómicas sobre a China. Mas isto não foi considerado notícia. A reportagem honesta já não é bem-vinda em grande parte dos media. Predominam as picaretas falantes: os editores são gestores de infodiversão ou porta-vozes de partidos. Onde havia sub-edição, há agora uma catadupa de clichês. Os jornalistas que não cumprem são descartados. A lei aprovada pelo Congresso é bipartidária. Não há diferença entre democratas e republicanos. Os termos "esquerda" e "direita" já não fazem sentido. A maioria das guerras modernas da América foi iniciada não por conservadores, mas por democratas liberais. Obama presidiu a um recorde de sete guerras, incluindo a guerra mais longa dos Estados Unidos e uma campanha sem precedentes de assassinatos extrajudiciais - assassinatos - por drones. No seu último ano, segundo o Council on Foreign Relations, Obama, o "o relutante guerreiro liberal", lançou 26.171 bombas - três bombas por hora, 24 horas por dia. Tendo prometido ajudar a "livrar o mundo" das armas nucleares, o Nobel da Paz construiu mais ogivas nucleares do que qualquer presidente desde a Guerra Fria. Trump é um fraco fanfarrão. Foi Obama - com sua secretária de estado Hillary Clinton ao seu lado - que destruiu a Líbia como um estado moderno e lançou a cavalgada para a Europa. Em casa, os grupos de imigrantes chamavam-no de "deportador em serviço". Um dos últimos atos de Obama como presidente foi assinar um projeto de lei que entregou um recorde de 618 bilhões de dólares ao Pentágono, refletindo a crescente ascensão do militarismo fascista na governança dos Estados Unidos. Trump aprovou isso.»
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