sábado, 13 de maio de 2017

Bico calado


  • O que acontece a um jornalista que insiste em fazer perguntas ao secretário de estado da Saúde Tom Price sobre o plano de saúde de Trump? Via Common Dreams.
  • «No mundo ocidental, o principal ataque à liberdade de expressão não vem de fora. O inimigo está cá dentro. Como o caruncho que reduz a mobília a serradura ou a lagarta que corrói a maçã, é dentro da Comunicação Social que se está a destruir o jornalismo. É cá dentro que se criam condições para que a liberdade de expressão seja despicienda e, até, que o jornalismo se torne dispensável (como se ele fosse possível sem liberdade). Quando a lesão de Jonas é questão central (muito mais que a vida de Nuno Brederode Santos); quando as sete melhores praias para o fim-de-semana são capas e destaques de primeiras páginas; numa época em que o body building enche edições e as dietas dão origem a pormenorizados trabalhos (chegou a hora de tirar os biquínis e calções dos armários), para que serve a liberdade de expressão? Muito, mesmo muito do que hoje se escreve seria tranquilamente aceite pela mais zelosa ditadura. (…) Sem meios, vários jornais, televisões e rádios seguem os mesmos assuntos, cobrem os mesmos acontecimentos, disputam as agendas oficiais e vão atrás dos comunicados e temas lançados pelas mesmas fontes. Ouvem os mesmos comentadores, alguns dos quais se desdobram por vários programas e vários órgãos de comunicação. Alimentam-se das mesmas intrigas partidárias e disputam entre si a exclusividade de pormenores que já pouco interesse têm. Investigar? Isso é caro. Aprofundar? Nem pensar em coisas maçudas. Debater? O jornalismo não é para chatos. (…) Não, não é a internet que tem a culpa. O digital só faz mal aos jornais, rádios e televisões que querem viver contra o futuro. O problema é que há jornais em papel e online, rádios e televisões que escolheram ser como a maioria dos sites da net: fúteis, sem nível, sem conhecimento, sem cultura, sem rigor, sem independência. Sem incomodar. Cada vez mais, os jornalistas, à procura de emprego estável e de vencimentos decentes, deixaram de questionar o poder (dentro e fora das redações), passaram a encolher os ombros em conferências de imprensa em que as perguntas são proibidas e vão a correr mandar o serviço para o online. Não interessa ser o melhor, o importante é ser o primeiro e bater o concorrente imaginário, nem que depois se peça desculpa pela calinada. As redações estão a absorver o pior que têm a net e as redes sociais. (…) A palavra de ordem é recuar na qualidade, ir de cedência em cedência. A publicidade conquista terreno e mina a credibilidade com formas encapotadas para os menos atentos, como sejam os mais recentes “conteúdos patrocinados” (…) O jornalismo é para incomodar, para fazer refletir. É para permitir decidir em consciência sobre o futuro que queremos. Isso não dá rios de cliques, mas é o que não pode acabar. E é o que precisa de liberdade para existir. Não, hoje, os títulos mais vendidos não precisam de liberdade de expressão. Dispensaram-na, desprezaram-na em nome do espetáculo e das audiências. E o problema é que outros estão a ir atrás. Com a desculpa de que não conseguem resistir, deixam-se influenciar ou copiam os modelos mais fáceis e lucrativos. Talvez se vão vendendo, mas porque se estão a vender.» João Garcia in O inimigo está entre nósExpresso 5mai2017.

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