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Futebolistas, milionários e multinacionais beneficiam do offshore da Madeira, revela uma investigação jornalística realizada por um grupo de media internacional, liderado pela alemã ARD e a que pertencem o espanhol La Vanguardia, o francês Le Monde e a austríaca ORF.
A Madeira tem sido usada por várias estrelas do futebol que jogam na liga espanhola para esconder parte dos seus impostos. O esquema, funciona assim: o jogador cede gratuitamente parte dos seus direitos de imagem a uma empresa de fachada baseada na Madeira, que dificilmente paga qualquer imposto; uma parte dos direitos pagos pelo seu patrocinador vai para a conta bancária da empresa em vez de ir para a conta oficial do jogador. A empresa de fachada pertence, na realidade, ao jogador, que acaba recebendo o dinheiro sem pagar os impostos que seria obrigado a pagar se não entrasse neste esquema. Os futebolistas Javier Mascherano, Xabi Alonso e Adriano Correia beneficiaram com este esquema, diz o Le Monde.
No início dos anos 2000, a Madeira viu-se envolvida no centro de um escândalo de corrupção que implicava o consórcio TSKJ, formado pela norte-americana Halliburton, a holandesa Snamprogetti, a japonesa JGC e a francesa Technip num esquema de suborno do governo nigeriano para a obtenção de contratos de construção de refinarias. Acusadas e condenadas, as empresas foram multadas, respetivamente em 600, 365, 219 e 338 milhões de dólares, o que não as impediu que permanecessem no offshore da Madeira e continuassem a usufruír dos truques disponibilizados.
No verão de 2015, Isabel dos Santos usou a sua empresa Winterfell Industries, sediada na Madeira, para recuperar a Efacec Power Solutions. A empresa pública de eletricidade de Angola tinha comprado algumas semanas antes 40% das ações da Winterfell por um valor desconhecido, por ordem do presidente José Eduardo Dos Santos, levantando-se a suspeita de que o dinheiro do Estado angolano estivesse a financiar a aquisição. A Autoridade Bancária Europeia acabaria por concluir, em janeiro 2017, que Portugal não aplicara as regras contra a lavagem de dinheiro, por não ter averiguado com rigor a proveniência dos fundos aplicados na compra da Efacec pela Winterfell.
Outra personagem referida pela investigação do Le Monde é Francis Louis Marie « Franky » Mulliez, um dos herdeiros da terceira família mais rica de França. Tornou-se o único acionista da sociedade madeirense Peramina e conseguiu controlar 13% da Kilinvest, holding do grupo Kiloutou, que se queixa de nunca ter recebido os dividendos a que se julga ter direito.
A Pepsi, a Chevron a Dell e a Swatch, todas criaram filiais de fachada na Madeira. Conseguiram «otimizar» os seus impostos até 2012, altura em que se deslocalizaram para a Suíça, Malta e ilhas Caimão.
O grupo de telecomunicações Orange criou duas filiais na Madeira, a OHCS I e a OHCS II, que se fundiram posteriormente. E a francesa Ponticelli criou 3 sociedades: Ponticelli Angoil Serviços Para a Indústria Petrolífera, Ponticelli Consultadoria Técnica e Portumo - Madeira - Montagem e Manutenção de Tubaria.
Também Gadafi, através de Bashir Saleh Bashir, criou uma empresa de fachada na Madeira. O mesmo fizeram empresários cubanos e mais de uma centena de espanhóis que geriram, durante cerca de 20 anos, os seus patrimónios atrás de sociedades fantasma, escreve o La Vanguadia. Tudo com a bênção da Comissão Europeia, escreve a Bayerischer Rundfunk no título que dá à sua série de 6 episídios sobre o tema.
A Comissão Europeia aprovou a criação da chamada Zona Franca da Madeira em 1987, na condição explícita de o território não se converter em paraíso fiscal: «Recordamos que esta autorização não significa a aprovação da zona financeira offshore que o governo da Região Autónoma da Madeira intenta instaurar na Zona Franca».
Volvidos 20 anos, o único retorno económico para a região foi a taxa anual de mil euros paga por cada empresa fantasma à Sociedade de Desenvolvimento de Madeira (SDM), a empresa que gere desde 1987 a Zona Franca. A SDM é uma empresa com 75% de capital privado e 25% de capital público. O principal acionista é o Grupo Pestana, um grupo hoteleiro que pertence a Dionísio Pestana, que, em poucos anos, passou de um hoteleiro arruinado do Funchal a um dos homens mais ricos de Portugal e sócio de Cristiano Ronaldo num dos seus últimos projetos, conta o La Vanguardia.
Sobre esta temática, os media de referência em Portugal quedaram-se pelo silêncio ou pela reverência. Apenas o Expresso fez uma espécie de frete, omitindo os dados apresentados pela equipa de jornalistas acima referida. João Pedro Martins, autor de Suite 605, coloca o dedo na ferida:
«Depois do consórcio de jornalistas formado pelo jornal espanhol La Vanguardia, do conceituado periódico francês Le Monde (com quem o Expresso trabalhou no caso dos Panama Papers), da estação de televisão pública alemã ARD e da cadeia televisiva autríaca ORF, terem desmascarado o offshore da Madeira, tendo inclusivamente mostrado extratos bancários com detalhes de transferências de milhões que já levaram à reabertura de um processo judicial em Espanha por apresentação de novas provas que foram entregues por jornalistas espanhóis ao Ministério Público, o nosso Expresso (ao contrário da restante imprensa portuguesa que optou pelo silêncio) decidiu escrever uma peça jornalística em que apenas ouve um ponto de vista, citando pessoas em Portugal e na União Europeia que foram ouvidas no âmbito do contraditório do trabalho jornalístico desenvolvido pelos colegas do Expresso.
O semanário português esqueceu-se que hoje dezenas de deputados europeus, face à gravidade das notícias pediram a Comissária da Concorrência para escrutinar todos os regimes fiscais preferenciais que existem na União Europeia. Vozes como a eurodeputada Ana Gomes, o ex-Secretário do Estado dos Assuntos Fiscais e professor de direito fiscal Sérgio Vasques, ou a eurodeputada e ex-magistrada Eva Joly que meteu na prisão a elite de França no decorrer das investigações de corrupção do caso Elf, e que hoje, juntamente com muitos outros, se levantaram contra a injustiça fiscal, não são relevantes para o Expresso.
Um leak de 20 mil documentos comprometedores, que levou os jornalistas deste consórcio a listarem os nomes dos fugitivos fiscais dos seus países que utilizaram o offshore da Madeira, parece que não é notícia em Portugal.
Afinal, não se passa nada, ou como diz os Truques da Imprensa Portuguesa, se fosse a história da mãe panda e os três pandinhas, a notícia já tinha circulado por todos os órgãos de comunicação social. Mas este não é um problema dos jornalistas do Expresso, mas do critério editorial.
O problema é que esta não é uma história comovente, mas de piratas e terroristas fiscais que capturam a economia e o poder político e nos obrigam a pagar os impostos que lhes são devidos e que eles se recusam pagar.»
Sobre esta temática, os media de referência em Portugal quedaram-se pelo silêncio ou pela reverência. Apenas o Expresso fez uma espécie de frete, omitindo os dados apresentados pela equipa de jornalistas acima referida. João Pedro Martins, autor de Suite 605, coloca o dedo na ferida:
«Depois do consórcio de jornalistas formado pelo jornal espanhol La Vanguardia, do conceituado periódico francês Le Monde (com quem o Expresso trabalhou no caso dos Panama Papers), da estação de televisão pública alemã ARD e da cadeia televisiva autríaca ORF, terem desmascarado o offshore da Madeira, tendo inclusivamente mostrado extratos bancários com detalhes de transferências de milhões que já levaram à reabertura de um processo judicial em Espanha por apresentação de novas provas que foram entregues por jornalistas espanhóis ao Ministério Público, o nosso Expresso (ao contrário da restante imprensa portuguesa que optou pelo silêncio) decidiu escrever uma peça jornalística em que apenas ouve um ponto de vista, citando pessoas em Portugal e na União Europeia que foram ouvidas no âmbito do contraditório do trabalho jornalístico desenvolvido pelos colegas do Expresso.
O semanário português esqueceu-se que hoje dezenas de deputados europeus, face à gravidade das notícias pediram a Comissária da Concorrência para escrutinar todos os regimes fiscais preferenciais que existem na União Europeia. Vozes como a eurodeputada Ana Gomes, o ex-Secretário do Estado dos Assuntos Fiscais e professor de direito fiscal Sérgio Vasques, ou a eurodeputada e ex-magistrada Eva Joly que meteu na prisão a elite de França no decorrer das investigações de corrupção do caso Elf, e que hoje, juntamente com muitos outros, se levantaram contra a injustiça fiscal, não são relevantes para o Expresso.
Um leak de 20 mil documentos comprometedores, que levou os jornalistas deste consórcio a listarem os nomes dos fugitivos fiscais dos seus países que utilizaram o offshore da Madeira, parece que não é notícia em Portugal.
Afinal, não se passa nada, ou como diz os Truques da Imprensa Portuguesa, se fosse a história da mãe panda e os três pandinhas, a notícia já tinha circulado por todos os órgãos de comunicação social. Mas este não é um problema dos jornalistas do Expresso, mas do critério editorial.
O problema é que esta não é uma história comovente, mas de piratas e terroristas fiscais que capturam a economia e o poder político e nos obrigam a pagar os impostos que lhes são devidos e que eles se recusam pagar.»
2 comentários:
O centro de negócios que o PS odeia
po Nuno Melo, JN 16fev2017
http://www.jn.pt/opiniao/nuno-melo/interior/o-centro-de-negocios-que-o-ps-odeia-5670347.html
«A eurodeputada Ana Gomes decidiu transformar o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) num manto negro de malvadez que lava dinheiro a metro, aproveitado por obscuros empresários do México e jogadores de futebol envolvidos em casos de fraude fiscal. Fê-lo num documento que entregou na Comissão de Inquérito aos Panamá Papers, lembrando Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional entre 1978 e 2015, basicamente na condição de arguido em 2014, pelos crimes de prevaricação e violação de regras de execução orçamental.
Nas coincidências de que o destino é pródigo, José Sócrates foi o socialista de peso que precedeu Ana Gomes no arremesso contra o CINM. Enquanto primeiro-ministro, suspendeu o processo de negociação com a Comissão Europeia em 2011. Conseguiu que, em tempos de dupla austeridade motivada pela circunstância da ultraperiferia e da crise financeira, 600 empresas encerrassem portas e a atividade na Região diminuísse 25%.
Recentemente, é sabido, José Sócrates tem sido associado pela Comunicação Social a offshores geridos pela Mossack Fonseca. Na investida inquisitória feita de lama e suspeições sem provas que lhe marcam o estilo, Ana Gomes decidiu atacar a Madeira e a imagem de Portugal. Tipicamente, esqueceu os Panamá Papers naquilo que, alegadamente, poderia ter que ver com o correligionário de partido.
Quando Ana Gomes e o PS atacam o CINM, esquecem que na UE coexistem muitos destinos que oferecem regimes fiscais preferenciais, para captação de investimento, exemplos de Campione D"Italia, Chipre, Gibraltar, ou do Luxemburgo. Atacar o CINM, quando tudo o resto subsiste, não alcança qualquer propósito de harmonização fiscal a nível europeu, mas seguramente que prejudica Portugal.
Argumentará Ana Gomes que no CINM existem casos que são de polícia? Porventura. Tal qual em muitos bancos e empresas, sem que se opte, e bem, pelo seu encerramento.
No Parlamento Europeu bati-me pela alteração do erro que, por razões estritamente partidárias, o PS impôs em 2011. Sócrates nunca suportou que o partido jamais tivesse vencido eleições regionais na Madeira. Apresentei em 2012 um projeto de resolução em favor do CINM. E o Governo PSD/CDS empenhou-se nas negociações com a Comissão Europeia, seladas com um novo acordo em 2015.
O que Ana Gomes e o PS deveriam ter em conta é que, só neste ano, o CINM foi responsável por 53% do total da receita de IRC arrecadada na região, num valor superior a 87,5 milhões de euros.
Já os madeirenses, que recordem ao menos em eleições futuras quanto o PS odeia o CINM.»
Offshore da Madeira abre guerra no PS
A Zona Franca da Madeira voltou a ser notícia graças a uma investigação de um consórcio de jornalistas publicada ontem pelo jornal francês Le Monde, que revela a existência de empresas fictícias para aproveitar as vantagens fiscais daquela região.
A notícia vai, aliás, ao encontro de um relatório feito este mês pela eurodeputada Ana Gomes no Parlamento Europeu que ataca o offshore madeirense e o considera "extremamente vulnerável à sua utilização por empresas internacionais e organizações criminosas para planeamentos fiscais agressivos, fraude fiscal, fuga aos impostos e branqueamento de capitais". Mas as conclusões da eurodeputada socialista levaram a uma dura reação do líder do PS Madeira, Carlos Pereira.
"A deputada Ana Gomes voltou esta semana a abordar o tema da Zona Franca da Madeira e, mais uma vez, tem a absoluta repulsa do PS Madeira pela forma e pelo conteúdo da sua intervenção", ataca Carlos Pereira, num post publicado na sua página de Facebook.
Para o líder socialista madeirense, "esta senhora deputada revela erros claros na sua análise dos factos e, sobretudo, na percepção objectiva das características da praça madeirense que, conforme ela própria reconheceu, numa recente deslocação ao Funchal, para se inteirar da realidade do Centro Internacional de Negócio".
Carlos Pereira sente mesmo a necessidade de reafirmar que o PS não defende o fim do paraíso fiscal da Madeira e que as declarações de Ana Gomes não comprometem o partido.
"Importa contudo clarificar, antes que se venha a observar as habituais generalizações oportunistas, que esta não é nem a posição da direcção do PS nacional, nem a posição do grupo parlamentar do PS no parlamento europeu", frisa o socialista que é também deputado do PS na Assembleia da República, afirmando que "a posição do PS é muito clara: as decisões sobre esta matéria têm de ser tomadas de forma multilateral".
"Não tem sentido acabar com a praça madeirense e nada fazer sobre todas as dezenas de espaços de fiscalidade preferencial que abundam pela Europa fora. Defender isso não é defender o interesse nacional e, muito menos, contribui para uma solução global aceitável. Se a Zona franca da Madeira acabar, o único efeito possível é a deslocação de investimento para outras praças e o prejuízo imediato para o país", sustenta Carlos Pereira, admitindo falhas na forma como o offshore da Madeira está a funcionar.
"Da nossa parte sublinho que a gestão da Zona Franca não tem o nosso aplauso ( os resultados revelam que a SDM foi ineficaz no cumprimento dos objectivos); a concessão ao privado, ainda por cima oferecida sem concurso, à mesma entidade sem qualquer avaliação de resultados, também não tem o nosso apoio; a ausência de estratégia integrada na economia regional continua a ser uma fragilidade muito forte que condiciona os efeitos junto da população em termos de emprego e contributo para a diversificação da economia. Mas nada disto se relaciona com a defesa da Zona Franca e do seu contributo para a economia da Madeira e do país. Lamentamos, assim, as abordagens negativas da Senhora deputada do PS e voltaremos a manifestar o nosso profundo desacordo com o caminho seguido", escreve o socialista.
https://sol.sapo.pt/artigo/549342/offshore-da-madeira-abre-guerra-no-ps
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