Imagem: Valdrin Xhemaj/EPA
por Mauricio Torres/ Sue Branford in The Intercept. (excertos)
Muitas empresas usam estratégias de marketing para esconder os impactos sociais e ambientais negativos das suas operações. É a chamada “maquiagem verde”, ou greenwash, em inglês. O caso recente da Companhia Hidrelétrica Teles Pires é um exemplo eloquente.
Em abril de 2014, a CHTP, que construiu e opera a Usina Hidrelétrica Teles Pires, recebeu o Certificado Selo Verde na categoria Gestão Socioambiental Responsável do Prêmio Chico Mendes. O certificado é um reconhecimento do Instituto Internacional de Pesquisa e Responsabilidade Socioambiental Chico Mendes a empresas que são “exemplos de solução de conflitos entre desenvolvimento, justiça social e equilíbrio ambiental”.
Lideranças indígenas, pesquisadores e ambientalistas se perguntam como é possível que a UHE Teles Pires seja considerada esse “exemplo de sustentabilidade”. O empreendimento prejudicou a vida das comunidades tradicionais e dos povos indígenas, impactou a biodiversidade, acelerou o desmatamento na sua área de influência e destruiu locais sagrados para os índios da região.
A imagem pública da CHTP toda trabalhada na “inovação e sustentabilidade” leva os menos atentos a imaginar que o projeto foi analisado e discutido criteriosamente antes de ser implementado pelo governo. Não foi o que aconteceu. No Plano Decenal de Energia de 2008, o Ministério de Minas e Energia deixou claro que a decisão política de construir a usina de Teles Pires já estava tomada. A decisão política de construir a UHE Teles Pires foi tomada anos antes dos estudos de viabilidade técnica, económica e ambiental serem feitos.
Os estudos realizados pela Leme e as outras empresas deveriam ter atentado a todos os potenciais impactos da barragem, incluindo efeitos negativos sobre pesca, ecossistemas aquáticos e terrestres, biodiversidade, comunidades tradicionais e povos indígenas, mudanças climáticas, entre outros. Porém, nem os estudos nem a análise do Ibama (o órgão federal que concedeu a licença ambiental) encontraram qualquer tipo de inconveniente que resultasse em atrasos significativos ou redesenhos do projeto.
Os técnicos do Ibama e da Funai tentaram garantir alguma seriedade ao licenciamento, mas foram silenciados. A situação com a Funai foi particularmente tensa. Em dezembro de 2010, a Funai elaborou uma crítica técnica detalhada ao EIA, justificando por que a parte do estudo que se referia aos povos indígenas teria que ser completamente reformulada. Alguns dias depois, o presidente do órgão, sob intensa pressão do setor energético – que tinha o apoio do gabinete da Presidência da República – anuiu com a emissão da primeira das três licenças para o empreendimento”.
Desde 2010, em vista do grande número de irregularidades, a Justiça Federal considerou, em várias instâncias, o estudo de impacto ambiental da UHE Teles Pires “totalmente viciado e nulo de pleno direito, por agredir os princípios constitucionais de ordem pública, da impessoalidade e da moralidade ambiental” . Mesmo assim, os embargos ao empreendimento caíram sucessivamente com a aplicação do mecanismo de Suspensão de Segurança a pedido do governo federal.
Sem espaço para análises técnicas, sem a participação dos índios, sem segurança jurídica e sem a realização de consulta prévia, um dos únicos foros de discussão sobre a UHE Teles Pires foi a secção de comentários públicos do website Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
Nesse enredo de licenciamentos cosméticos e atropelos aos direitos de povos e comunidades tradicionais e ambientais, premiações como essas operam um ambientalismo de mercado que esconde os desmandos e impactos do empreendimento. Usam selos concebidos como propaganda para promover a imagem da empresa e aumentar os seus lucros.
Não há nada de inovador e sustentável sob o sol do marketing falacioso de empreiteiras e setores governamentais de energia que lideram a corrida de barragens na Amazónia e ameaçam a sobrevivência dos povos indígenas. Chico Mendes sentiria vergonha.
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