quarta-feira, 4 de maio de 2016

Bico calado

Algures na Serra da Freita. Foto de António Fernando Lousada 26abr2016.

«Ao que consta, Jorge Moreira da Silva, ministro do Ambiente de Passos Coelho, será um dos candidatos finalistas a um alto cargo dentro da ONU para as alterações climáticas.
Enquanto ministro, Moreira da Silva concessionou metade do distrito de Faro e uma parcela igualmente impressionante da orla marítima algarvia para a prospeção e exploração de petróleo. A concessão foi feita com base numa lei caquética, datada de 1994, quando o aquecimento global e as preocupações ambientais eram considerados fantasias de doidos. Hoje sabemos que fantasia é ignorar a sua existência, e é por isso que existe, aliás, um cargo na ONU dedicado à matéria.
Esta lei permitiu então ao Governo de Passos entregar, sem concurso, o Algarve à Portfuel, de Sousa Cintra, que terá cerca de 122 anos quando o contrato terminar. Para além do absurdo de se estar a promover combustíveis fósseis quando todos sabemos que esse caminho não é sustentável, há três coisas a dizer sobre este negócio.
Em primeiro lugar, viola leis e diretivas comunitárias que obrigam a consulta pública, à participação das populações nestes planos ou à existência de uma avaliação ambiental estratégica.
Em segundo lugar, põe em causa a estabilidade ambiental e biológica da região. Os contratos preveem explicitamente o recurso à fratura hidráulica como técnica de exploração. Esta técnica é proibida em vários países da UE pelos seus perigos para a qualidade da água, do ar, e pelos riscos de potenciar terramotos, entre outros.
Em terceiro lugar, é um mau negócio. Para a região, porque conflitua com as atividades agrícolas, piscatórias e de turismo. Para o Estado, porque negociou taxas de rentabilidade estupidamente baixas pelas concessões.
O mais caricato da história talvez seja mesmo os nomes que deram às concessões no mar algarvio: lavagante, lagosta, lagostim, santola, gamba, sapateira e caranguejo. Quem sabe uma homenagem às espécies ameaças por estes contratos, assinados pelo homem que agora poderá estar na ONU para nos proteger das alterações climáticas.» 
Mariana Mortágua in O que será do Algarve?JN 3mai2016.

Nota: Jorge Moreira da Silva não foi escolhido para subsecretário-geral da ONU. Ban Ki-Moon escolheu a mexicana Patricia Espinosa para o cargo de subsecretária-geral para as Alterações Climáticas. Público.

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