segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bico calado


«(…) Durante um ano, o Marcelo-comentador falou sobre o caso BES como se o Marcelo-cidadão não fosse amigo de Salgado e como se a sua companheira ou ex-companheira não fizesse parte da administração do banco. Debaixo do silêncio crítico do tal meio lisboeta, Marcelo pôde assim defender as posições do amigo Ricardo como se fosse um agente neutral e arbitral, como se fosse um anjo caído dos céus. Ora, perante o descalabro do BES, Marcelo só tinha uma saída transparente: recusar comentar o caso. No entanto, o “professor” nunca mostrou esse respeito pelos espectadores e pela ideia de espaço público. O que não surpreende. Durante as últimas décadas, Marcelo foi o grande mordomo do regime e um dos responsáveis pela ausência de debate sério sobre os problemas de Portugal. Sim, Henrique Neto tem razão quando acusa Marcelo de ser um dos co-responsáveis pela situação do país. O ex-discípulo de Marcello Caetano foi o idiota útil dos donos do sistema, o fala-barato que encheu o ar com pólvora seca. Alguém se lembra de uma crítica forte de Marcelo aos Salgados e aos Sócrates? Nos milhares de horas gravadas por Marcelo, alguém consegue sacar uma ideia, uma causa, um projeto? Esta falta de transparência está relacionada com a sua tibieza intrínseca, que está a ficar claríssima nesta campanha eleitoral. Marcelo não acredita em nada. É uma máquina discursiva sem nada lá dentro. E chega a ser patético ou até comovente, diga-se, a forma como ele procura agradar a toda a gente. Por exemplo, disse a Marisa Matias que não iria tocar na lei do aborto, mas, se tivesse pela frente um candidato católico a lutar pelo “não”, Marcelo teria dito o exato contrário ou, pelo menos, teria dito que é necessário mudar a lei (recorde-se que Marcelo defendeu o “não” há dez anos). Já senti repulsa por Marcelo, mas confesso que agora só sinto pena.» Henrique Raposo in Tenhamos piedade de Marcelo - Expresso 9jan2016. Via Estátua de Sal.

(imagem Inspirada na pintura «Camões e as Tágides», de Columbano Bordalo Pinheiro

Marcelo e as Tágides
Marcelo, em cupidez municipal
de coroar-se com louros alfacinhas,
atira-se valoroso - ó bacanal! -
ao leito húmido das Tágides daninhas.

Para conquistar as Musas de Camões
lança a este, Marcelo, um desafio:
Jogou-se ao verso o épico? Ilusões!...
Bate-o Marcelo que se joga ao rio.

E em eleitorais estrofes destemidas,
do autárquico sonho, o nadador
diz que curara as ninfas poluídas
com o milagre do seu corpo em flor.

Outros prodígios - dizem - congemina:
ir aos bairros da lata e ali, sem medo,
dormir para os limpar da vil vérmina
e triunfal ficar cheio de pulguedo.

Por fim, rumo ao céu, novo Gusmão
de asa delta a fazer de passarola,
sobrevoa Lisboa o passarão
e perde a pena que é de galinhola.

Natália Correia, in INÉDITOS 1979/91 - Cancioneiro Joco-Marcelino, Poesia Completa

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