segunda-feira, 20 de abril de 2015

Bico calado

  • « (...) penso que o papel da ‘cunha’ pouco diminuiu na sociedade portuguesa, como alguns pensam. Só mudaram os processos e os destinatários, e com o declínio de muita da nossa economia, em particular na indústria, o Estado tornou-se o verdadeiro centro das ‘cunhas’ e os aparelhos partidários o seu principal veículo.(...) Os ‘facilitadores’ vivem desse mundo e olhando para certas carreiras mesmo no topo do estado a pergunta é como é que chegaram lá. Como é que meia dúzia de pessoas sem qualquer carreira, saber académico, experiência de vida, trato do mundo, podem mandar nalguns casos mais do que um Primeiro-ministro ou um Presidente da República, ao deterem o controlo dos partidos? A resposta é: meteram muitas ‘cunhas’ e prestaram muitos serviços numa fase da vida, e facilitaram muitas ‘cunhas’ noutra. São espertos e hábeis. Conhecem-se entre si e sabem melhor do que ninguém as regras do jogo. Uns sofisticaram-se, outros não, mas há ‘espaço’ para todos. Mas o seu efeito na vida pública é baixar os níveis de qualidade, estiolar a competição política, controlar o seu território com mão de ferro, e gerar à sua volta um círculo de iguais. E pôr em risco a democracia.» Pacheco Pereira in História social da ‘cunha’, Público 18abr2015.
  • «Ontem vi na televisão um reconhecimento da sua obra bastante generalizado. Não consigo avaliar com rigor o grau de hipocrisia de algumas das declarações, mas, pelo menos, este reconhecimento do seu papel crucial para nos colocar em matéria científica muito mais próximo do nível dos países europeu mais desenvolvidos, significa alguma coisa. Por uma vez, o país teve sorte: Mariano Gago teve tempo para consolidar a sua política através do critério imbatível dos resultados, porque esteve doze anos, primeiro no Ministério da Ciência e, depois, da Ciência e do Ensino Superior. A breve interrupção de dois anos (Barroso-Santana) não chegou para destruir o que ele já deixara feito. Hoje, quando vemos os nossos cientistas a brilhar lá fora, mas também cá dentro, nos centros de investigação de excelência, ninguém pode negar aquilo que o país lhe deve. (...)Hoje, toda a gente lhe tece elogios, mas foi contestadíssimo enquanto governou pelos mesmos que agora se curvam perante o seu contributo nacional. Assisti a vários episódios desses. Lembro um. Quando Mariano Gago lançou as parcerias com algumas grandes universidades americanas, como o MIT, assisti de boca aberta, confesso, a críticas ferozes à sua mania das grandezas. Como sempre acontece neste país, os que diziam isso deixaram de falar sobre o assunto a partir do momento em que os resultados se tornaram óbvios. (...)Mas há outro lado da vida de Mariano Gago que é ainda mais raro, mesmo que comum a outras pessoas que conheço da sua geração. Olhava-se como um servidor do Estado. Ou melhor, o Estado era para ser servido (de preferência pelos melhores) e não para se servirem dele. E o Estado era ou devia ser uma coisa séria e um instrumento estratégico para ajudar a pensar o país. Pensava assim e a sua vida foi assim, mesmo quando essa visão era esmagada por uma moda ideológica que via no Estado um obstáculo burocrático e dispendioso.» Teresa de Sousa in É a excelência, estúpido, Público 19abr2015.
  • «A atenção é o recurso que move a economia de hoje. Cada vez mais a nossa atenção é invadida de tal modo que já não controlamos a nossa própria atenção como queremos. O espaço público é ocupado por publicitários exigindo a nossa atenção e os lugares tranquilos on de podíamos pensar ou conviver são ocupados por música alta. Em todo o lado, de restaurantes a casinos, há tentativas de controlar os nossos humores. O silêncio, uma coisa que considderávamos garantida como o ar ou a água limpa, tornou-se um bem de luxo. Em todo o lado reina a cacofonia. Parece que já nos habituamos a ver os nossos humores a serem geridos e manipulados de todas as maneiras, a ver a nossa atenção a ser roubada em todos os lugares públicos.» Matthew B. Crawford, autor de The World Beyond Your Head.

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