sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Reflexão - Os usurpadores de terras do corredor de Nacala

Há investimentos portugueses a tirar terras a milhares de camponeses para dar lugar a grandes plantações industriais, denuncia um relatório da União Nacional de Camponeses e da Grain intitulado The Land Grabbers of the Nacala Corridor (Os Usurpadores de Terras do Corredor de Nacala).
Desde 2006 fizeram-se pelo menos 36 negócios, muitos deles  no Corredor de Nacala, uma área de cerca de 14 milhões de hectares no norte de Moçambique, onde o governo e os doadores estrangeiros prometeram infraestruturas de transporte e agricultura para a exportação, prometeram benefícios para as comunidades locais, mas a verdade é que estão a expulsar as famílias das suas terras para dar lugar ao agronegócio. «As empresas estrangeiras, os empresários locais e os políticos participam numa conspiração para retirar as terras às comunidades de camponeses, violando as leis fundiárias que existem para defender os direitos dos agricultores de pequena escala», explica Vicente Adriano, investigador do sindicato nacional de camponeses de Moçambique. O relatório da UNAC e da GRAIN revela que várias empresas de origem e legalidade duvidosa, registadas em paraísos fiscais e offshores com ligações estreitas às elites políticas moçambicanas, estão a usurpar terras no Corredor de Nacala e a fazer fortuna ao estilo da época colonial de Moçambique.

Quais são, então, as empresas portuguesa envolvidas neste negócio?
1 A Mozambique Agricultural Corporation, S.A. (Mozaco), criada em 2012 através de uma parceria entre o grupo moçambicano João Ferreira dos Santos e a Rioforte Investments sedeada no Luxemburgo que é o braço investidor do Grupo Espírito Santo português. A RI é o principal acionista da Mozaco, detendo 60% das ações, sobretudo para o cultivo se soja e algodão. Até à data, 1000 agricultores foram despejados para dar lugar ao projeto, esperando-se que outras 4500 famílias também o sejam. Com o colapso financeiro do Grupo Espírito Santo, porém, em outubro de 2014, o Tribunal Comercial do Luxemburgo decretou que a RI deveria ser liquidada para pagar as dívidas aos credores. Não se sabe bem quais serão as implicações para a Mozaco.
2 A Indivest Limitada é uma empresa sedeada em Lisboa detida pelos empresários portugueses Rosinda Castanhas e Daniel Pedrosa Lopes. Em setembro de 2014, o governo moçambicano concedeu à empresa um contrato de arrendamento sobre cerca de 30 000 ha de terra agrícola em Nampula para o cultivo de soja e milho. Lopes sugere que, no futuro, se poderão expandir para os 200 000 ha. Os agricultores locais opuseram-se firmemente ao projeto, salientando a falta de transparência das autoridades governamentais na atribuição da concessão.
3 A Hoyo Hoyo foi estabelecida pela empresa portuguesa Quifel Natural Resources Moçambique, Lda, subsidiária da Quifel Natural Resources SA. Ligada a Miguel Pais do Amaral. Depois de passar por várias dificuldades, em 2012 a Quifel Natural Resources SA vendeu as ações a uma empresa registada nas Maurícias chamada Hoyo One Ltd, detida pelo grupo holandês BXR. A Hoyo Hoyo tem um DUAT na Zambézia sobre 20 000 ha e outro em Tete sobre 8000 ha, onde produz soja e milho.
4 A AgroMoz é um coempreendimento entre o Grupo Américo Amorim de Portugal, a Intelec  (que a embaixada norte-americana descreveu como «veículo de investimento para o Presidente Guebuza») e o Grupo Pinesso do Brasil, que gere as operações agrícolas da empresa. Em 2012, a empresa despejou cerca de 1000 camponeses e começou a plantar soja num terreno com 500 ha em Lioma, que expandiu para os 1000 ha no ano seguinte. Apesar dos protestos dos camponeses, a AgroMoz recebeu um DUAT em outubro de 2014 para mais 9000 ha na zona, por um período de 40 anos. A aspersão aérea de pesticidas levada a cabo pela empresa terá provocado problemas respiratórios às famílias moradoras nas circundações e a quem danificou as culturas alimentares.
5 A Agro Alfa, nacionalizada em 1975, foi mais tarde privatizada e controlada pelo empresário português José Adelino Nogueira Aires Alves e pelo empresário moçambicano Jacinto Sabino Mutemba. Em 2011, a empresa chinesa Tianjin Machinery Import & Export Corporation, aliada a uma empresa sedeada em Chipre, V&M– Import and Export Agents (Pty) limited, fizeram investimentos de grande monta no capital social da empresa. De início, a empresa comprou 650 ha de terras ex-coloniais na província de Nampula que tinham sido ocupadas por agricultores locais aquando da independência. Em 2013, a empresa expulsou os agricultores, vedou a terra e plantou soja. Para além disso, procura agora adquirir outras herdades coloniais das proximidades com cerca de 2000 ha. Não se sabe ao certo se a Agro Alfa adquire as terras paras as suas próprias operações ou em nome de outros investidores parceiros, uma vez que os proprietários da empresa estão envolvidos em diversas empresas de investimento ativo em Moçambique, nomeadamente a Rural Consult Ltd, a Sociedade de Desenvolvimento Tsemba, Ltd e o Grupo Aldira de Portugal.
Ver a RTP1, Jornal das 20, 4ª feira, 18fev2015, entre os 47:30 e os 51:00.

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