sexta-feira, 30 de maio de 2014

Reflexão – o cidadão E perante o lixo

Imagem retirada daqui.

«Quando o cidadão E faz um piquenique acontece ele ficar com cascas de melão, latas, papéis e outro lixo para deitar fora. Normalmente o procedimento então adoptado resume-se a procurar na paisagem um local onde outros tenham deitado porcaria. Uma vez encontrado esse local, o cidadão E fica zangado por eles poluirem o ambiente e, para mostrar que estão errados, deita para lá o seu próprio lixo. Isto atinge várias finalidades: no futuro, quando alguém contemplar aquela lixeira, ficará comovido com o gesto contestatário do cidadão E; o facto de se deitar lixo onde ele já existe não muda nada (é só mais um bocadinho e não faz diferença porque o mal já começou a ser feito) mas serve o fim didático demostrar aos outros o que não se deve fazer; aquele lixo é diferente, a diferença em relação aos outros lixos está em ser lixo do cidadão E o qul, como todos os outros, é estúpido.
Regra geral o esquema de atuação do cidadão E face à poluição em larga escala conserva o mesmo caráter de pequenez mental. Quando se converte no industrial E, ele utiliza, frequentemente, recursos anti-poluição aprendidos com outros industriais E e comprovadamente eficazes: por exemplo, despeja os poluentes excretados pela sua fábrica onde, por ninguém os ver, eles desapareçam. Com efeito, (...) quando um estúpido fecha os olhos mentais à visão inteligente de alguma coisa, essa coisa desaparece. Pelo menos desaparece-lhe das ideias deixando de o incomodar. (...) 
A ideia estúpida segundo a qual o que nós não vemos não existe (...) tem sido muito útil aos doutos estúpidos políticos em geral. Graças aos recursos por ela sugeridos, torna-se fácil a esses heróis da estupidez livrarem-se das mais diversas classes de lixo. A técnica é assim: fecha-se a mente para a consideração inteligente de que, esteja onde estiver, o lixo continuará a ser lixo; depois manda-se o lixo nacional para um lugar onde ele desapareça de vez ao ser esquecido. Pode ser outro país, o fundo do oceano ou uma caverna; o importante é que os detritos desapareçam da vista e, portanto, da existência. Se o lixo dificilmente puder ser mandado para fora do país, ou se isso não valer a pena, então procurar-se-á um bom local para o esconder. Esse local deve ser capaz de esconder o lixo tanto tempo quanto o político estúpido tencione manter-se no poder. 
Quando se trata de lixo moral, o procedimento eficaz é semelhante. Trata-se de evitar que outros ou, até, o próprio, o vejam; assim ele desaparecerá. Por exemplo: a corrupção só se torna lixo quando é vista; invisível, fica perfeitamente compatível com um ar aparente de limpeza e honestidade.»

Vitor J. Rodrigues in Teoria Geral da Estupidez Humana – Livros Horizonte 1992, pp108-110

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