“(...) A nacionalização de Eusébio é, desde logo, uma matéria tensa. Eusébio faz parte de uma narrativa nacional portuguesa imperial e pós-imperial. Esta, vista por muitos como um encontro cultural, foi, na verdade, e apesar de uma inegável história em comum, erguida pela violência, pela exploração e por relações de poder radicalmente desiguais. Tudo questões de índole pouco comemorativa que não interessam à moderna diplomacia económica, legitimada por uma ideia de lusofonia global mais preocupada com os negócios do que com a vida das populações. (...) Como se tivessem sido instruídos pela mesma agência de comunicação, líderes políticos, sacerdotes e comentadores repetiram até à exaustão as mesmas palavras mágicas: "humilde", "simples", "compreensivo". (...) Durante o Estado Novo, estes adjectivos sempre se colaram a uma idealização do africano assimilado, simples, humilde, mas também conformado e passivo. A passividade e o conformismo, eufemisticamente travestidos de "humildade" e "simplicidade", eram a moeda de troca pelo acesso à "civilização". A mesma ideia aplicava-se, aliás, no mesmo período, aos desejos de formação de uma classe trabalhadora respeitável, humilde, simples e resignada com o seu lugar. Quarenta anos depois do 25 de Abril, a permanência de algumas classificações sociais, que se erguem enquanto normas de comportamento ideais, revelam como perduram as representações de um certo povo imaginado pela elite, um povo que é bom por ser simples, humilde e conformado. (...)”. Nuno Domingos in As lutas pela memória de Eusébio, Público 9jan2014.
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