por Karl Mathiesen e Corbin Hiar, Politico. Trad. O’Lima.
Nicolás Ortega
A startup israelo-americana Stardust realizou a primeira experiência comercial de geoengenharia solar, pulverizando partículas refletoras na estratosfera a partir de um balão meteorológico no Nevada para testar um método de arrefecimento da Terra. A experiência secreta foi intencionalmente conduzida numa «área cinzenta legal», tendo sido amplamente condenada como «desonesta» e «perigosa». Provocou discussões de emergência na Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente e desencadeou uma corrida global para criar regulamentações para uma tecnologia que até agora era em grande parte teórica. János Pásztor, ex-funcionário da ONU para questões climáticas, alerta para «o génio que saiu da lâmpada». Ele argumenta que a iniciativa da Stardust prova que a geoengenharia comercial já não é problema futuro e que é necessária uma governança internacional urgente e robusta para impedir que uma única empresa ou país altere unilateralmente o clima do planeta. O incidente espoletou um forte debate. Os adversários da geoengenharia veem a regulamentação como um mal necessário para evitar experiências piores e descontroladas, exigindo uma moratória ou um quadro internacional rigoroso. A Stardust e seus apoiantes argumentam que a pesquisa deve avançar porque os atuais esforços climáticos atuais estão a falhar, e acreditam que a regulamentação não deve sufocar a inovação. Acontece que criar regras globais eficazes é extremamente difícil, uma vez que não existe um órgão jurídico internacional claro com autoridade sobre a atmosfera, e as nações têm interesses e vulnerabilidades muito diferentes em relação às mudanças climáticas e à geoengenharia.
Janos Pasztor ficou em choque. Sentado no escritório da sua casa, numa aldeia nos arredores de Genebra, olhava fixamente para o ecrã do seu computador, onde decorria uma chamada bizarra pelo Zoom. Era 31 de janeiro de 2024. O diretor executivo de uma startup israelita-americana, a quem Pasztor acabara de ser apresentado, estava a dizer-lhe que a empresa tinha desenvolvido uma partícula refletora especial e a tecnologia para libertar milhões de toneladas dela na alta atmosfera. O efeito pretendido: diminuir a luz do sol em todo o mundo e reverter o aquecimento global. O diretor executivo queria que Pasztor, um ex-alto funcionário das Nações Unidas para o clima, ajudasse. A empresa chamava-se Stardust Solutions.
Pasztor, um húngaro ponderado e seguro de si, com sobrancelhas grossas e arqueadas que lhe conferem a aparência de uma coruja levemente perturbada, ficou surpreso com a seriedade da operação da Stardust. Há muito que esperava que alguma empresa tentasse isso. Mas o aparecimento de um grupo bem financiado e altamente credenciado representava uma aceleração assustadora para uma tecnologia ainda confinada em grande parte a artigos de investigação, debates informais e romances de ficção científica.
O CEO da Stardust, Yanai Yedvab, era um físico nuclear que fora vice-chefe científico da Comissão de Energia Atómica de Israel, e foi direto ao ponto. Ele queria que Pasztor o aconselhasse sobre como construir credibilidade pública, o que seria necessário para conseguir os contratos governamentais de reflexão da luz solar com os quais a empresa e seus investidores estavam a contar. O CEO parecia estar bem ciente de que a Stardust tinha o potencial para o tipo de problemas de imagem pública normalmente reservados aos vilões de James Bond. Esses desafios não terão sido facilitados pela escolha de um nome para a empresa que ecoava o «Projeto Stardust» de Star Wars — o nome de código usado pelos vilões do Império Galáctico para a Estrela da Morte, uma arma projetada para destruir mundos inteiros.
Durante décadas, os cientistas tinham teorizado que cobrir a atmosfera com uma camada de poeira poderia reduzir temporariamente o aquecimento global. No entanto, poucos realmente defendiam a investigação dessa prática e ninguém sabia dizer o quanto ela poderia desestabilizar os padrões climáticos, o abastecimento alimentar ou a política global. Ainda hoje, muitos cientistas avisam que levará muitos anos para saber se essa tecnologia seria sensata ou desastrosa. Os termos usados para a descrever— «geoengenharia solar», «injeção de aerossóis estratosféricos» ou «gestão da radiação solar» — parecem enganosamente inofensivos. Para a maioria das pessoas, a ideia de bloquear o sol ainda causa escárnio e repulsa — uma espécie de horror corporal planetário.
Se o que Stardust afirmava na chamada Zoom com Pasztor era verdade, então um passo decisivo já havia sido dado. A humanidade tinha adquirido o poder de diminuir a intensidade do sol, e quase ninguém no planeta sabia disso. Além disso, esse poder ainda por testar estava agora efetivamente à venda. Num mundo em crescente caos, repleto de bilionários obcecados por ficção científica e líderes nacionalistas, uma empresa privada que oferecia os meios para controlar a temperatura do planeta — sem praticamente nenhuma lei internacional relativa à implantação dessa tecnologia — era uma perspetiva inquietante, pensou Pasztor.
Mas havia outra consideração que ele não podia ignorar: e se essa fosse a única opção possível? Apesar dos enormes avanços na energia limpa, as emissões de gases de efeito estufa continuavam a aumentar. Até mesmo os limites máximos de temperatura acordados pela comunidade internacional no Acordo de Paris de 2015 pareciam cada vez mais difíceis de serem alcançados. Em 2022, o órgão científico da ONU responsável pelo clima afirmara que a humanidade já estava presa a uma série de eventos terríveis: ondas de calor extremas, incêndios florestais incontroláveis e inundações e secas recordes; a propagação de pragas tropicais; o colapso dos ecossistemas de recifes de coral do mundo. Previa-se que a situação piorasse, dependendo da rapidez com que as temperaturas continuassem a subir incessantemente nas próximas décadas, levando à extinção em massa da vida selvagem, a conflitos humanos e à migração.
A menos que, talvez, a geoengenharia solar pudesse intervir. «Se a situação é assim tão grave, então talvez precisemos mesmo desta tecnologia», afirmou Pasztor, de 70 anos, em setembro. Ele estava sentado à mesa de jantar em sua casa, a meia hora de comboio de Genebra. Alguns pastéis doces que comprara na padaria do outro lado da praça estavam meio comidos num prato. «Se for esse o caso, então temos o imperativo moral de estudá-la — de compreendê-la.»
Desde 2016, Pasztor dirigia um grupo de reflexão que usava a sua influência como ex-conselheiro climático do então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para exortar os governos a levarem a sério a geoengenharia solar — bem como a necessidade de regras globais para a gerir. Mas ele nunca defendeu o seu uso. Regras rígidas protegeriam contra vários cenários desagradáveis, mas plausíveis, disse Pasztor, incluindo um em que «um bilionário com uma relação muito forte com o governo» — provavelmente o governo dos EUA — poderia simplesmente tentar implementá-la sem qualquer discussão ou contribuição da comunidade global.
Eis por isso que o modelo com fins lucrativos da Stardust era motivo de grande preocupação para Pasztor. Yedvab e a sua equipa tinham realizado pesquisas e criado a empresa de 25 pessoas praticamente sem qualquer supervisão. Yedvab tem salientado repetidamente, (...) que a empresa acolhe com agrado a regulamentação e está a tomar medidas para instruir os decisores políticos nesse sentido. Mas, atualmente, há poucos fatores que a limitam.
Além da falta de regulamentações internacionais vinculativas, também não havia normas nacionais robustas que regulamentassem a geoengenharia solar em Israel, onde a empresa tinha o seu laboratório, ou nos EUA, onde estava registada em Delaware, o estado que abriga a maioria das principais empresas do país.
As ligações jurídicas da Stardust aos EUA, segundo quatro especialistas em finanças, sugeriam a sua intenção de atrair investidores de Wall Street e do Vale do Silício e conquistar contratos com o governo americano. Pasztor receava que os seus primeiros financiadores, entre os quais uma empresa de capital de risco liderada em parte pelo ex-primeiro-ministro canadiano Stephen Harper e veteranos do aparelho de segurança israelita, tivessem poucos incentivos para permitir que as dúvidas científicas ou o receio do público impedissem o progresso da Stardust. (Nem a empresa, Awz Ventures, nem Harper responderam aos pedidos de comentários.)
Pasztor sabia que trabalhar com uma empresa como essa seria visto por alguns dos seus antigos amigos e colegas como um apoio, ou mesmo uma traição. Outra razão para a sua hesitação era que ele estava pronto para uma pausa. «Eu ia mesmo aposentar-me, ficar sem nada para fazer, pensar e talvez escrever», disse.
A um minuto a pé do seu apartamento, as águas do Lago Genebra embatiam contra uma costa rochosa onde ele e a sua esposa, Christine, tinham passado o verão a nadar. Em dias claros, podiam flutuar de costas e olhar para a França e o Monte Branco, onde um dos maiores glaciares da Europa estava a desaparecer rapidamente.
Pasztor passou alguns dias de ansiedade ponderando o que fazer. Por fim, decidiu que precisava encontrar uma maneira de trabalhar com a equipa de Yedvab, pois eles estavam claramente empenhados em apresentar a sua tecnologia ao mundo. «Goste-se ou não», disse ele, «a Stardust existe e está a desenvolver um sistema completo para injetar aerossóis na estratosfera. Isso está a acontecer». Pensou que, ao envolver-se, poderia estimular a empresa a sair das sombras — mesmo que um pouco — e isso seria uma vitória. Além disso, admitiu ele, Yedvab convencera-o de que levava muito a sério a necessidade de supervisão e transparência. «Eles queriam fazer as coisas direitas», disse. Pasztor concordou em entrar como consultor. A sua principal tarefa, disse, era publicar um relatório sobre os desafios de governança e regulamentação da Stardust e definir as medidas que a empresa poderia tomar para se abrir ao escrutínio público.
Falando na sua casa numa tarde tempestuosa de quinta-feira, quase exatamente um ano depois de publicar o relatório para o qual fora contratado e alguns meses depois de encerrar amigavelmente a sua relação com a empresa, Pasztor estava preocupado. Além de um link para o seu relatório na página inicial da Stardust, havia poucos indícios públicos de que eles estavam a levar a sério as suas recomendações de transparência. A empresa não publicara o código de conduta que havia acordado com Pasztor garantindo-lhe que divulgaria. O próprio site era difícil de encontrar enquanto escrevíamos este artigo; dois especialistas em informática confirmaram-nos que ele incluía uma linha de código que o ocultava dos motores de busca, de modo que só podia ser encontrado através do link. (Yedvab afirmou que o código que ocultava o site não era intencional e que a empresa já o havia corrigido.) Alguns cientistas da comunidade de geoengenharia também se queixaram de que a Stardust continuava a manter em segredo a composição química das suas partículas e os seus planos para as lançar.
Os cofundadores da Stardust, Amyad Spector, à esquerda, e Yanai Yedvab, à direita, expandiram a sua startup a um ritmo vertiginoso. Até agora, a startup de dois anos arrecadou US$ 75 milhões. | Amit Elkayam para a POLITICO.
Depois da saída de Pasztor, a Stardust avançou a toda velocidade. Em outubro, a empresa anunciou um marco na angariação de fundos: conseguiu US$ 60 milhões de fundos ligados, entre outros, a personalidades do Vale do Silício e a uma dinastia industrial italiana, elevando o montante total angariado pela startup de dois anos para US$ 75 milhões. Foi um avanço impressionante, muito maior do que qualquer investimento anterior em geoengenharia solar, que colocou a Stardust muito à frente dos poucos outros grupos que pretendem transformar essa teoria em um negócio. “Não quero dizer que seja a única empresa séria no mercado”, disse Gernot Wagner, economista climático da Columbia Business School e autor de ‘Geoengineering: The Gamble’. “Mas é verdade.”
Nos bastidores, há mais evidências de um cronograma vertiginosamente rápido. Documentos confidenciais partilhados com a revista POLITICO, registos públicos e entrevistas com mais de três dezenas de cientistas, investidores, especialistas jurídicos e outras pessoas familiarizadas com a empresa revelam uma organização que avança rapidamente para a beira de poder dar o sinal verde aos seus planos de arrefecimento do planeta. Entretanto, a Stardust também tenta estabelecer contratos com o governo dos EUA e constrói discretamente uma máquina de influência em Washington para pressionar legisladores e funcionários da administração Trump sobre a necessidade de um quadro regulamentar que, segundo ela, é necessário para obter a aprovação pública para a implantação em grande escala.
O c rescente fosso entre o progresso da Stardust e o conhecimento do público sobre a empresa tem inquietado muitos cientistas. «A forma como estão a lidar com isso é sem dúvida a mais tóxica e a pior», disse Daniele Visioni, cientista climático da Universidade de Cornell, que passou meio dia a conversar com a empresa no início do verão de 2024 sobre os seus planos, depois de eles lhe terem pedido conselhos. Visioni não conseguiu respostas para muitas das suas perguntas depois de se recusar a assinar um acordo de confidencialidade. «Não há nada que faça as pessoas perderem mais a confiança do que dizer: “Oh, isso é tudo segredo. Mas confiem em nós”».
Sendo uma empresa privada cuja tecnologia está sujeita a pouca regulamentação, a Stardust e os seus financiadores não têm obrigações legais de aderir a princípios de segurança rigorosos ou de se submeterem à opinião pública. Na verdade, ser totalmente transparente seria extremamente raro para uma startup. Mas quando os riscos são tão altos, muitos críticos da empresa afirmam que o que é normal para uma startup não é realmente o ponto principal. Para Pasztor e um círculo cada vez maior de investigadores e funcionários do governo, as falhas detectadas na transparência da Stardust em relação ao seu trabalho e tecnologia desencadearam uma discussão mais ampla sobre que tipo de estrutura de governança internacional será necessária para regulamentar uma nova geração de tecnologias climáticas.
A questão não poderia ser mais urgente; empresas que refletem a luz solar, como a Stardust, poderiam ser capazes de alterar significativamente o clima de todo o mundo em apenas alguns anos — e potencialmente causar turbulências ambientais e geopolíticas imprevisíveis.
Foi por isso que Pasztor quis participar neste artigo. Eram nítidas as suas crescentes dúvidas sobre as intenções da Stardust. Seria possível que a Stardust o tivesse simplesmente usado para dar uma aparência respeitável à sua operação, sem levar a sério as suas preocupações? Pasztor abanou a cabeça. «Não quero ser um idiota totalmente ingénuo», disse. O seu apartamento estava cheio de livros e obras de arte colecionadas ao longo de uma vida de missões internacionais. Pela primeira vez durante uma conversa de cinco horas, ele parecia inseguro. O seu nome é o único que aparece no site da Stardust.
«Isso preocupou-me e pensei bastante nisso. Será que estes tipos me estão a pedir para me usarem, para terem o meu nome lá e depois poderem fazer o que quiserem? E não tive essa sensação durante o tempo em que trabalhei com eles. Mas esse perigo existe», disse. Pasztor fez uma pausa, depois o momento de dúvida desapareceu. “E que posso fazer com isso? Eu poderia ter dito: ‘OK, esqueça, não quero lidar com vocês, ponto final’. Não foi isso que fiz.”
Vista da fissura central do vulcão Laki, na Islândia. | Chmee2/Valtameri/CC BY-SA 3.0
Céus e Terra
O plano da Stardust não era totalmente futurista. A tecnologia da empresa baseia-se num processo quase tão antigo quanto a própria Terra.
Em junho de 1783, uma brecha vulcânica de 26 km abriu-se no lado sul da Islândia. «Primeiro, o solo inchou com um rugido tremendo, depois, de repente, um berro rasgou-o em pedaços... expondo as entranhas [da Terra], como um animal a dilacerar a sua presa», recordou Jón Steingrímsson, um pastor local. Ele sobreviveu à provação e escreveu um relato que foi publicado muito depois da sua morte. Continua a ser uma das obras autobiográficas mais antigas e importantes do seu país.
Durante os oito meses seguintes, a lava jorrou da terra. As cinzas e o fumo ocultaram o sol. Um em cada cinco islandeses morreu em consequência disso. O próprio Steingrímsson escapou apenas por sorte — ou talvez por algo mais divino. Num dia terrível, uma grande onda de lava avançou em direção à sua igreja e à sua aldeia. O pastor reuniu a sua congregação e proferiu um sermão com tal poder e devoção que, segundo se diz, o próprio Deus desviou o curso do fogo.
Durante a erupção, a luz solar ficou mais fraca muito além das costas da Islândia. A erupção do Laki, como ficou conhecida, lançou 122 milhões de toneladas métricas de enxofre para o céu. Grande parte desse material atingiu a estratosfera, a camada tranquila da atmosfera que começa entre 6 e 19 km acima da superfície da Terra. Essas partículas flutuaram nas correntes barométricas por todo o hemisfério norte, causando estragos no clima mundial. A China e o Egito foram atingidos por secas e, em seguida, pela fome. Na América do Norte e na Europa, o inverno foi excepcionalmente rigoroso. Em fevereiro, o rio Mississippi congelou até Nova Orleães. Blocos de gelo foram vistos flutuando nas águas subtropicais do Golfo do México. Benjamin Franklin, que na época era embaixador na França do recém-independente governo de Washington, escreveu de uma Paris gelada que os raios solares estavam «tão fracos... que, quando concentrados no foco de uma lente de aumento, mal conseguiam acender papel pardo». Numa perspicácia impressionante, Franklin sugeriu que o tempo sombrio estava relacionado com relatos da Islândia sobre uma «vasta quantidade de fumo» a sair da terra. Os cientistas agora sabem que as partículas de enxofre das erupções vulcânicas ficam suspensas na atmosfera, obscurecendo o sol como um guarda-chuva de poeira. Explosões realmente grandes podem ter um efeito de arrefecimento perceptível no planeta, que dura um ano ou mais. Em 2019, os investigadores concluíram que a intuição de Franklin sobre Laki estava certa.
A Stardust diz ter desenvolvido um sistema que pode replicar e manter os efeitos de arrefecimento global de uma erupção vulcânica, sem toda a lava e enxofre. A mecânica seria muito simples. A Stardust imagina uma frota de cerca de 100 aviões — para começar — voando para a estratosfera para entregar cargas das suas partículas, aterrando para recarregar e, em seguida, descolando imediatamente para repetir, continuamente, cada voo como uma pequena tosse vulcânica. Investigadores, incluindo Visioni, descobriram no ano passado que a maneira mais eficiente de alcançar um decréscimo constante e uniforme na temperatura global seria espalhar as partículas das regiões ao norte e ao sul dos trópicos. Isso significa lançar a partir de pelo menos dois locais, por exemplo, a Flórida e o sul do Brasil. As partículas espalhar-se-iam então pelo globo, produzindo uma descida gradual e uniforme da temperatura global, antes de eventualmente caírem do céu cerca de um ano depois, de acordo com a Stardust, e precisarem de ser substituídas. As partículas refletiriam uma proporção muito pequena da luz solar de volta para o espaço, mas suficiente para arrefecer a Terra.
Dados os valores astronómicos associados às alterações climáticas, a geoengenharia solar seria relativamente barata. «O custo é baixo», afirmou Douglas MacMartin, engenheiro aeroespacial da Universidade de Cornell. Seria qualquer coisa como «dezenas de milhares de milhões de dólares por ano». É isso que a Stardust espera que torne a tecnologia atraente para os governos que está a cortejar como potenciais clientes. Para um país como os EUA, os desastres relacionados com o clima e o tempo estão a tornar-se cada vez mais caros. Em 2024, a conta foi de 182,7 mil milhões de dólares. Perante isto, algumas dezenas de milhares de milhões podem parecer uma pechincha.
Sem dúvida, a temperatura global cairia. A Royal Society britânica, o ilustre clube científico que conta com Isaac Newton, Charles Darwin e (novamente ele) Franklin entre os seus antigos membros, afirmou num relatório publicado no início de novembro que havia poucas dúvidas de que seria eficaz. Eles não aprovaram o seu uso, mas afirmaram que, dado o crescente interesse nesta área, havia boas razões para se estar mais bem informado sobre os efeitos colaterais.
A geoengenharia solar não é propriamente uma cura — é mais Wegovy [caneta injetável que contém semaglutida, uma hormona que regula o apetite e ajuda a emagrecer] do que vacina contra a varíola. Mas isso não significa que não possa trazer amplos benefícios quando comparada com as alterações climáticas prejudiciais, de acordo com Ben Kravitz, professor de ciências terrestres e atmosféricas da Universidade de Indiana, que estudou de perto os efeitos potenciais da geoengenharia solar. «Haveria alguns vencedores e alguns perdedores. Mas, em geral, uma certa quantidade de... injeção de aerossóis estratosféricos provavelmente beneficiaria muitas pessoas, provavelmente a maioria das pessoas», disse ele.
Outros cientistas são muito mais cautelosos. O relatório da Royal Society listou uma série de potenciais efeitos colaterais negativos que os modelos climáticos apresentaram, incluindo secas na África Subsaariana. Nos documentos que acompanham o relatório, também se alertou para furacões mais intensos no Atlântico Norte e secas no inverno no Mediterrâneo. Mas o panorama continua parcial, o que significa que ainda não há como ter um debate informado sobre a utilidade ou não da geoengenharia solar.
Alguns investigadores ainda não consideram que se deva dedicar tempo e recursos a esta área. Em declarações aos jornalistas em setembro, Martin Siegert, professor de geociências da Universidade de Exeter, afirmou que a geoengenharia solar em grande escala significaria romper a ligação natural entre a temperatura do planeta e a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Segundo ele, «foi extremamente difícil e complicado para mim aceitar que essa seria uma boa maneira de avançarmos, quando a descarbonização é, obviamente, uma prioridade tão óbvia e necessária». E, na verdade, o carbono continuará a acumular-se enquanto o mundo continuar a queimar petróleo, gás e carvão — mesmo que seja utilizada tecnologia de reflexão da luz solar. O carbono adicional exigiria cada vez mais refrigeração para ser neutralizado — o que seria bom para uma empresa como a Stardust. Isso não impediria a acidificação dos oceanos, a poluição atmosférica localizada e outros danos causados pela perfuração, mineração, processamento e queima de combustíveis fósseis.
E depois há o problema de tentar parar. Porque um fim abrupto da geoengenharia, com todo o carbono ainda na atmosfera, faria com que a temperatura subisse repentinamente, com efeitos desconhecidos, mas provavelmente desastrosos. Esta proposta extremamente preocupante é referida pelos cientistas como «choque de terminação». Isso aumenta o risco, disse Pasztor, de «extorsão» por parte das empresas ou governos com controlo sobre a geoengenharia. Em resposta a uma pergunta sobre essa preocupação, Yedvab escreveu: «Os governos estabeleceram mecanismos para impedir o uso indevido de tecnologias, como preços excessivos, por parte dos seus empreiteiros, e acreditamos que o mesmo se aplicaria aqui.»
Uma vez implementada a tecnologia, o mundo inteiro ficaria dependente dela pelo tempo que fosse necessário para reduzir as mais de um trilião de toneladas de dióxido de carbono em excesso na atmosfera a um nível seguro — um processo que envolveria exércitos incontáveis de sugadores industriais de carbono, basalto com ligações de carbono espalhado pelos campos em todo o mundo, reflorestação em massa e uma série de outros esforços inovadores. Todos eles têm as suas desvantagens. Os cientistas estimam que isso poderia levar um século ou mais. Se a humanidade ainda não conseguir abandonar o seu vício em combustíveis fósseis e remover com sucesso o carbono da atmosfera, os cientistas afirmam que o mundo teria de se manter indefinidamente no plano de tratamento Stardust.
Citando todas essas razões, cerca de 600 académicos subscreveram um apelo em 2022 para um «acordo de não utilização da geoengenharia solar». Mas a comunidade internacional tomou poucas medidas para restringir a ideia. Um órgão da ONU, a Convenção sobre Diversidade Biológica, pediu para não se recorrer à geoengenharia «até que haja uma base científica adequada». Os EUA não são signatários. No ano passado, uma proposta suíça para criar um grupo de especialistas para estudar os «riscos e oportunidades» da área não avançou na Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Nairóbi, no Quénia. Foi a segunda vez que a medida não foi aprovada, com as nações profundamente divididas sobre como enfrentar a questão. O assunto não está na agenda das negociações climáticas da COP30 da ONU, atualmente em curso no Brasil.
Estas divergências prenunciam outra grande desvantagem da tecnologia: o seu potencial para causar fortes turbulências geopolíticas. Num relatório de 2023, o Conselho Científico de Defesa, um painel de cientistas convocado pelo Pentágono, rejeitou o cenário frequentemente discutido de um agente desonesto — um Estado ou uma pessoa extremamente rica — a desenvolver secretamente a geoengenharia solar. Fazer voar centenas de aviões na estratosfera exigiria o apoio de um país importante, afirmaram; caso contrário, os países com imenso poder aéreo poderiam facilmente bloqueá-lo. Mas o Conselho pediu que os EUA estabelecessem capacidades de monitorização para detetar partículas incomuns na estratosfera — uma recomendação que o governo Biden começou a implementar.
O objetivo do sistema de monitorização, disse o Conselho, era garantir que “um adversário não pudesse ficar numa posição privilegiada para uma surpresa estratégica na execução de uma ação unilateral de interação climática”.
O que mais preocupa os meios de segurança dos EUA, disse Erin Sikorsky, diretora do Centro para o Clima e a Segurança, um centro de investigação com sede em Washington, é impedir que a geoengenharia seja adotada pela China ou, talvez, pela Rússia — países que os EUA nem sempre conseguem controlar. Nenhum especialista afirmou ter conhecimento de qualquer programa avançado de geoengenharia na China. Mas a Stardust, com apenas algumas dezenas de funcionários e US$ 15 milhões de financiamento inicial, levou apenas dois anos para desenvolver o seu sistema.
A capacidade de «percepção errada» e «desinformação» também seria enorme, disse Sikorsky. Por exemplo, se um país fosse subitamente atingido por uma seca severa, poderia culpar — com ou sem razão — um vizinho que estivesse a realizar geoengenharia. “Há muitas dinâmicas de escalada, seja entre a Índia e o Paquistão, por questões hídricas e climáticas entre esses dois países, ou entre a China e os EUA”, disse ela. Em 2023, o senador Marco Rubio, agora secretário de Estado dos EUA, referiu-se à geoengenharia como “aquilo que preocupa as pessoas e que pode desencadear uma guerra”.
Depois, há questões éticas — até mesmo cosmológicas. «Temos o direito de fazer isso?», questionou Cynthia Scharf, ex-colega de Pasztor na ONU, que mais tarde trabalhou com ele em questões de governança da geoengenharia. «Pensando nas gerações futuras, temos o direito de não fazer isso?»
O guarda-sol que a Stardust quer construir no céu seria, por vezes, visualmente bonito. À noite, os aerossóis poderiam prolongar as cores do pôr do sol, criando dramáticos espetáculos de luz no céu. Seria a maior tentativa deliberada da humanidade de alterar a estrutura da natureza. Talvez seja sintomático o primeiro endereço da Stardust num parque científico nos arredores de Tel Aviv ser Oppenheimer 4. A rua tem o nome de um botânico e não do pai das armas nucleares, mas, tal como a invenção da bomba atómica, a geoengenharia solar suscitaria questões que têm perturbado cientistas, teólogos e contadores de histórias ao longo do tempo.
Scharf mencionou mitos gregos «como a caixa de Pandora ou Ícaro a voar demasiado perto do sol». Essas histórias antigas questionam, segundo ela, «qual é o lugar da humanidade no cosmos maior, no sistema natural maior — ou na criação, se você for uma pessoa religiosa?»
Dada a natureza destes dilemas, parece adequado considerar que o debate atual sobre geoengenharia seja, de alguma forma, influenciado pelos relatos de testemunhas oculares de uma erupção islandesa há dois séculos e meio, feitos por Franklin e Steingrímsson, respetivamente um cientista e um padre.
Uma crise de fé
Seria difícil encontrar alguém mais firmemente integrado no establishment climático do que Pasztor. Ele participou em todas as principais negociações e acordos desde o início dos esforços internacionais no início da década de 1990. No final dessa década, quando trabalhava para o gabinete das Nações Unidas sobre alterações climáticas, as negociações anuais resultaram num acordo global sobre a redução da poluição por gases de efeito estufa, chamado Protocolo de Quioto. Pasztor sentiu que o movimento ambientalista estava a vencer. «Estávamos felizes, alcançámos objetivos, estávamos a cumprir o que prometemos. Tínhamos um tratado», disse ele. Mas, com o passar dos anos, as temperaturas globais continuaram a subir. O mundo continuou dependente dos combustíveis fósseis e a vontade política para abandonar esse hábito começou a enfraquecer.
Pasztor lembra-se do momento exato em que a sua fé na política global para encontrar uma solução se esvaiu. Em julho de 2015, quando era conselheiro sénior para o clima do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ele estava numa reunião no Luxemburgo. Estavam a ser feitos os preparativos para uma conferência da ONU sobre o clima em Paris, no final daquele ano, que deveria chegar a um acordo para resolver as alterações climáticas. Mas o então secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chegou com um ultimato. Não havia nenhuma chance, disse Kerry, de os americanos concordarem com limites juridicamente vinculativos para a sua poluição. Pasztor ficou chocado. Na sua opinião, não havia como um sistema voluntário proporcionar reduções nas emissões de carbono na velocidade necessária. «Para mim, foi um choque muito, muito grande», disse Pasztor.
Pasztor lembra-se do momento exato em que a sua fé na política global para encontrar uma solução se esvaiu. Em julho de 2015, quando era conselheiro sénior para o clima do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, ele estava numa reunião no Luxemburgo. Faziam-se os preparativos para uma conferência da ONU sobre o clima em Paris, no final daquele ano, que deveria chegar a um acordo para resolver as alterações climáticas. Mas o então secretário de Estado dos EUA, John Kerry, chegou com um ultimato. Não havia nenhuma hipótese, disse Kerry, de os americanos concordarem com limites juridicamente vinculativos para a sua poluição. Pasztor ficou chocado. Na sua opinião, não havia um sistema voluntário que permitisse reduzir as emissões de carbono na velocidade necessária. «Para mim, foi um choque muito, muito grande», disse Pasztor.
«Talvez eu fosse apenas ingénuo, mas sempre achei que o problema climático era solucionável», disse ele — afinal, «as tecnologias e tudo o mais já existem». Mas essas soluções precisavam de apoio político e de países trabalhando juntos, apesar das suas diferenças, para superar a oposição feroz da rica e poderosa indústria de combustíveis fósseis.
Passados dez anos, Pasztor acredita que foi absolvido; o acordo climático de Paris fez com que os países estabelecessem planos para reduzir as suas emissões e provavelmente evitou as piores catástrofes climáticas. Mas os compromissos voluntários ficaram aquém do esperado e a temperatura mundial continua a subir a um ritmo muito superior ao que os cientistas consideram seguro. «Quero dizer, podemos ver que não está a funcionar», disse Pasztor na sua casa na Suíça.
Esta avaliação pessimista não é, de forma alguma, o consenso entre os especialistas em clima. Alguns argumentam que, graças ao investimento desencadeado pelo acordo de Paris, o mercado de energia limpa agora segue a sua própria lógica económica imparável, tornando as promessas governamentais menos importantes. O porta-voz de Kerry, Matt Summers, disse: «O mundo está numa situação mais sustentável por causa de Paris. É um facto. Qualquer outra coisa é um exercício de especulação.» Ainda assim, a maioria dos especialistas concorda que o futuro das alterações climáticas continua a ser definido por vários graus de gravidade.
Pasztor construiu a sua vida com base na fé nas instituições internacionais para lidar com problemas — como as alterações climáticas — que eram grandes demais para qualquer país resolver sozinho. Mas, naquele momento, em 2015, ele percebeu que o sistema internacional não conseguia resistir às exigências concorrentes da política interna. Uma nova onda de nacionalismo estava a surgir — uma que em breve levaria Donald Trump ao poder. Em junho de 2017, Trump anunciou que retiraria os EUA do acordo de Paris, uma medida que repetiu este ano.
Ao mesmo tempo, a geoengenharia solar estava a passar da margem do discurso científico para uma área de investigação académica legítima. Em 2012 e 2017, respetivamente, a Universidade de Washington e Harvard iniciaram programas de investigação nessa área. Ambas as instituições acabaram por ser obrigadas a interromper as experiências ao ar livre, que provocaram a fúria dos residentes locais e dos líderes eleitos.
Em 2012, Scharf abordou Pasztor num corredor do gabinete do secretário-geral em Nova Iorque e disse-lhe que tinha começado a ler sobre geoengenharia e que estava assustada com a completa falta de salvaguardas regulatórias. Sem entusiasmo, ela disse-lhe: «Aposto que, qualquer dia, vamos chegar a esse ponto.» Pasztor conhecia o conceito, mas nunca tinha considerado que ele seria necessário. Ele descartou as preocupações de Scharf. «Janos achou que eu estava a ser muito pessimista», lembrou ela. Mas depois de Paris, a sua forma de pensar mudou. Em 2016, quando Pasztor se aposentava da ONU, ele recebeu um telefonema de Irene Krarup, diretora da Fundação V. Kann Rasmussen, um grupo filantrópico dinamarquês. Ela perguntou se ele estaria interessado em lançar um grupo de reflexão para estudar geoengenharia — e, em particular, para persuadir os governos a levar a sério a necessidade de regras globais para a gerir.
«Ela percebeu o que estava para acontecer», disse Pasztor. «Levei 30 segundos para dizer "sim"». (Krarup confirmou que a conversa ocorreu.) O trabalho que ele fez com a Carnegie Climate Governance Initiative, dissolvida em 2023, acabou por levar ao convite da Stardust.
A hesitação inicial de Pasztor em trabalhar com a Stardust não se devia apenas ao facto de a startup ter como objetivo lucrar com a geoengenharia. O facto de a Stardust ser parcialmente uma empresa israelita também era uma grande fonte de dúvida. Ele ficou indignado com a guerra de Israel contra o Hamas, que matou milhares de civis em Gaza. Ele acreditava que Israel tinha violado as leis humanitárias internacionais. (O governo israelita rejeitou recentemente um relatório da ONU que concluía que o país havia cometido atos genocidas na guerra.) No final, a sua convicção sobre a necessidade de regulamentação da geoengenharia prevaleceu, e ele começou a trabalhar com a Stardust pouco depois do contacto de 2024. Ele doou os seus honorários de US$ 27.000 à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina. Pasztor diz que passou vários meses naquele ano realizando entrevistas com os altos executivos da Stardust. Ele publicou um relatório de 18 páginas em setembro de 2024 na sua conta do LinkedIn. (Pasztor publicou o relatório antes que houvesse um site da empresa, e o site posteriormente criou um link para ele.) O relatório expunha o que ele havia aprendido sobre o funcionamento interno da empresa — o que era relativamente pouco.
A Stardust e os seus investidores acreditavam que uma startup com fins lucrativos poderia avançar mais rapidamente e sem as restrições sociais e burocráticas de um programa de investigação universitário. Mas a rapidez da Stardust veio à custa da transparência, afirmou Pasztor à empresa no seu relatório, e essa era uma componente vital para construir a confiança do público.
O relatório de Pasztor fez uma série de recomendações com o objetivo de abrir a Stardust ao escrutínio. Sobretudo, instou a Stardust a declarar publicamente uma moratória sobre o lançamento da sua tecnologia até haver pesquisa científica adequada para compreender os potenciais riscos e benefícios. Pasztor também pediu para ponderarem a entrega do controle da tecnologia a uma instituição filantrópica. Em resposta à revista POLITICO, Yedvab disse sobre a moratória: “Em geral, não cabe às empresas dizer aos formuladores de políticas que mecanismos devem adotar nesse processo”. E acrescentou: «Acolhemos com agrado qualquer contribuição filantrópica nesta parceria. Deve dizer-se que, até agora, se nos baseássemos exclusivamente nos recursos filantrópicos atualmente disponíveis não teríamos conseguido realizar um programa de I&D sobre reflexão solar com a escala e seriedade necessárias.»
Antes de publicar o relatório, Pasztor diz que o reviu com a Stardust, testando para ver quais das suas propostas Yedvab iria rejeitar. Ele ficou animado com a resposta. A única divergência significativa foi sobre a sua exigência de que a empresa anunciasse publicamente os testes em pequena escala antes de eles acontecerem. Ele disse à sua esposa Christine, que era mais cética em relação à geoengenharia do que ele: «Isso é loucura, porque eles estão basicamente a aceitar tudo o que estou a sugerir».
Respondendo a uma pergunta sobre essa caracterização, Yedvab disse: “Janos ajudou muito a moldar o nosso pensamento”.
Juntos, a Stardust e Pasztor também desenvolveram um código de conduta voluntário, que incluiu uma declaração agora replicada no seu site de que “o desenvolvimento da reflexão da luz solar deve ser conduzida sob uma governança estabelecida, orientada por governos e órgãos autorizados”. Embora Pasztor admita que esses compromissos só durariam enquanto a Stardust decidisse cumpri-los. Yedvab confirmou que a Stardust concordou em publicar um código de conduta voluntário, mas disse que a empresa ainda está a trabalhar nele.
O site básico da Stardust faz referência a muitos dos temas acordados no código. O site compromete-se com a implementação liderada pelo governo e recusa-se a cooperar com «entidades suscetíveis de se envolverem na implementação irresponsável ou uso indevido do nosso trabalho». Também se compromete a publicar os resultados da sua investigação e apoia uma «regulamentação abrangente». Não apresenta pormenores sobre os seus investidores, como recomendado no relatório de Pasztor, nem inclui o apelo de Pasztor para uma moratória.
Até agora, a Stardust não abriu a sua tecnologia ao escrutínio científico público. O sigilo contínuo da Stardust deixa os especialistas em geoengenharia solar confusos e frustrados. A Stardust tentou consultar os que trabalham com a ciência da reflexão da luz solar. Mas os investigadores são normalmente solicitados a assinar um acordo de confidencialidade para proteger a propriedade intelectual da empresa. Embora não seja uma medida incomum para uma empresa com uma invenção potencialmente valiosa, esta é outra fonte de tensão com especialistas na área, que veem tais contratos como contrários à liberdade científica e à revisão por pares, especialmente para uma tecnologia que afetaria todas as pessoas do planeta.
(Pasztor disse que assinou um acordo de confidencialidade. «Foi a primeira coisa que a Stardust quis resolver», disse ele. Embora tenha descrito todo o exercício como uma «perda de tempo e energia», porque deliberadamente nunca lhes perguntou sobre as invenções científicas abrangidas pelo documento, apenas sobre a sua abordagem à governança e transparência, que era o tema do seu relatório.)
Respondendo a uma pergunta sobre NDAs, Yedvab indicou uma secção do site que promete que, no início de 2026, a empresa começará a publicar “as principais conclusões da nossa pesquisa, juntamente com os nossos estimados colaboradores académicos, em literatura científica revista por pares”. Ele disse que a maioria dos cientistas abordados pela Stardust concordou em assinar o NDA.
A Stardust garante ter resolvido muitos desafios técnicos e de segurança, especialmente relacionados com os impactos ambientais das partículas, que, segundo eles, não prejudicariam a natureza nem as pessoas. Mas os investigadores dizem que a atual falta de transparência da empresa torna impossível confiar nela. «Não há absolutamente nenhuma razão para acreditar em nada do que eles dizem sem que apresentem provas disso», afirmou categoricamente o especialista aeroespacial da Cornell, MacMartin.
Visioni e outros cientistas questionaram se essa startup poderia prejudicar tanto a imagem da área que atrasaria em décadas as pesquisas financiadas por instituições filantrópicas ou governamentais. Outro investigador e veterano em startups climáticas, David Keith, da Universidade de Chicago, disse que se recusou a aconselhar a equipa de Yedvab. Keith fundou a empresa de remoção de dióxido de carbono Carbon Engineering em 2009 e vendeu a empresa à Occidental Petroleum 14 anos depois por mais de mil milhões de dólares. Mas há muito que se opõe aos esforços para comercializar a geoengenharia solar porque — ao contrário da remoção de carbono, cujos potenciais impactos negativos são locais — pulverizar partículas na estratosfera teria consequências planetárias. Ele acredita que o público não pode realmente avaliar esses riscos se lhe for pedido que confie numa empresa intrinsecamente opaca. «O meu único conselho foi que não fossem uma empresa com fins lucrativos», disse Keith, que anteriormente ajudou a criar o programa de geoengenharia solar de Harvard. «Acho que eles são tolos, e foi isso que lhes disse.»
Para Pasztor, descartar a Stardust não é uma opção; as suas fraquezas apenas evidenciam uma lacuna maior que precisa ser abordada. «A sociedade precisa acordar e decidir se quer proibi-las ou criar estruturas de governança dentro das quais elas possam operar», disse ele. Apesar das suas deceções, ele ainda vê a cooperação internacional como uma guardiã vital.
«Isto está a tornar-se mainstream»
Pouco antes da visita a Pasztor na Suíça, a revista POLITICO recebeu um documento. Era uma apresentação que a Stardust tinha partilhado com potenciais investidores enquanto buscava uma segunda ronda de financiamento. A apresentação estava marcada como «proprietária e confidencial» e datada de 2023. Se ainda havia dúvidas sobre a seriedade da Stardust deveria, o documento, divulgado aqui pela primeira vez, dissipou-as. A diferença entre o seu conteúdo e o que a empresa tinha dito publicamente era muito grande. Yedvab confirmou que o documento era autêntico, mas disse que as últimas apresentações da empresa tinham sido significativamente atualizadas e que o seu pensamento era agora «um pouco mais matizado». Ele recusou partilhar os novos materiais connosco.
O documento apresentava um roteiro surpreendentemente ambicioso para os planos da Stardust. Por exemplo, o prazo era extremamente curto e levantava sérias questões sobre como haveria tempo para pesquisa e regulamentação, quando, nomeadamente, o objetivo era iniciar uma «demonstração de redução gradual da temperatura» em 2027. A apresentação também incluía projeções de receita e uma série de oportunidades para os investidores de capital de risco recuperarem os seus investimentos. A Stardust planeava assinar «contratos governamentais», segundo um slide com o logótipo da empresa ao lado da bandeira americana, e considerar uma «aquisição potencial» até 2028. Até 2030, o plano previa uma «demonstração em grande escala» do sistema da Stardust. Nessa altura, a empresa afirmava que já estaria a faturar 200 milhões de dólares por ano com os seus contratos governamentais e a planear uma oferta pública inicial, caso ainda não tivesse sido vendida.
O “desenvolvimento global em grande escala” poderia começar em 2035, segundo o cronograma. Esse breve arco de desenvolvimento à implantação coincidia perfeitamente com os ciclos de investimento de muitas empresas de capital de risco. As empresas de capital de risco geralmente levantam fundos de investidores, compram participações em startups arriscadas, mas promissoras, e, em seguida, tentam obter retornos exorbitantes numa dúzia de anos, quando algumas das empresas nas quais investiram abrem o capital ou são vendidas para empresas maiores.
Slides da apresentação da Stardust para 2023, ilustrando o sistema refletor solar proposto e o cronograma de implantação previsto pela empresa. | Obtido pela POLITICO
O custo anual da fase inicial do arrefecimento global, de acordo com a apresentação, seria de cerca de US$ 20 biliões anuais, em linha com as estimativas de custo anteriores para a geoengenharia solar. Mesmo que o governo dos EUA arcasse com toda a conta, isso ainda seria apenas cerca de um quinto do valor anual que os analistas previam que a Lei de Redução da Inflação de Joe Biden gastaria para reduzir as emissões. O retorno esperado para a Stardust ao entrar na estratosfera seria de US$ 1,5 bilião em receita anual. Noutra parte da apresentação de 2023, havia fotos do próprio pó estelar, um pó branco fino empilhado de uma maneira que lembrava a cena em Scarface, onde o paranóico traficante de drogas interpretado por Al Pacino se senta à mesa atrás de uma pequena montanha de cocaína.
Outra página informava aos potenciais investidores que a Stardust já tinha realizado experiências em baixa altitude usando «partículas de teste». Como prova, apresentava fotografias de um monomotor leve voando baixo sobre a pista de um aeródromo. Um rasto branco e espesso estende-se atrás dele. Ao lado da pista, um homem inclina-se sobre um computador portátil e, ao lado dele, outros dois tiram uma selfie. Usando um código de registo impresso na parte inferior da asa, conseguimos localizar o proprietário do avião, Roy Ben Anat, um entusiasta aéreo israelita que construiu a sua própria aeronave. «Os rapazes foram ótimos e também foi divertido», disse ele quando contactado por mensagem privada no LinkedIn.
Os testes da Stardust, cujos pormenores nunca foram revelados ao público, não infringiram nenhuma lei em Israel — desde que a substância não fosse, como a Stardust esclareceria mais tarde, um poluente ambiental —, de acordo com Alon Tal, professor de políticas públicas da Universidade de Tel Aviv. No entanto, Tal acrescentou que o facto de experiências voltadas para a geoengenharia poderem ser realizadas ao ar livre em Israel, sem aviso público ou discussão, era, do ponto de vista jurídico, uma prova de «lacunas significativas».
O documento também sugeria que a Stardust tinha o conhecimento e o apoio necessários para levar a cabo o seu ambicioso plano. A lista de funcionários e consultores apresentada no documento incluía um químico, um engenheiro aeroespacial, dois físicos nucleares, dois físicos de partículas, dois cientistas de nanotecnologia e dois ex-funcionários do gabinete do primeiro-ministro israelita. O documento também apresentava uma lista impressionante de colaborações com universidades de renome, embora apenas uma delas pudesse ser confirmada. A Stardust trabalhou com a famosa especialista em aerossóis Ruth Signorell na universidade suíça ETH Zurich. (Signorell não respondeu aos pedidos de comentários. A ETH Zurich confirmou, por meio da porta-voz Franziska Schmid, que tinha um contrato com a Stardust até à primavera de 2027 para pesquisar “partículas minerais”.)
A apresentação não é a única indicação de que a empresa está a avançar rapidamente. Nela se revela a estratégia da Stardust em Washington. A empresa contratou advogados, lobistas e consultores que anteriormente trabalharam na Casa Branca, no Congresso e no Pentágono. Isso inclui Sherri Goodman, da Red Duke Strategies, ex-subsecretária adjunta de Defesa conhecida como uma figura importante em questões climáticas e de segurança. Foi Goodman quem inicialmente ligou a Stardust a Pasztor e investigadores federais. Goodman disse que não se lembrava quando começou a trabalhar para a Stardust, mas afirmou que a relação terminou antes de Trump regressar ao cargo.
A startup continua a trabalhar com a WestExec Advisors, uma empresa de consultoria fundada pelo ex-secretário de Estado Antony Blinken e outros veteranos dos governos de Barack Obama e Biden.
A empresa está a ajudar a Stardust a moldar potenciais regulamentações nos EUA e internacionais em torno da geoengenharia solar, de acordo com o professor Matthew Waxman, da Faculdade de Direito da Columbia, ex-funcionário de segurança nacional durante o governo George W. Bush, que trabalha para a WestExec em nome da Stardust. Esse processo de estabelecer barreiras para o uso potencial da tecnologia, disse Yedvab, deverá estender-se por vários governos.
A geoengenharia solar é «uma solução que precisa de ter um horizonte de décadas. Não é uma solução para, digamos, um único presidente», afirmou, evitando mencionar Trump, que tem combatido os esforços nacionais e globais para limitar as alterações climáticas.
Yedvab disse que o trabalho com essas empresas de Washington foi principalmente sobre regulamentação. «Como não existe um manual para esses requisitos ou uma estrutura formal de governança e regulamentação, a única maneira de estabelecer essa lista de requisitos é consultando especialistas como o Sr. Pasztor» e outros que trabalham com a WestExec, disse ele.
Na apresentação, a bandeira americana na secção «contratos governamentais» sugere que esses contactos podem vir a ser valiosos mais tarde por outras razões também. Mas Yedvab negou que essas «conversas iniciais» tenham como objetivo conquistar os EUA como cliente. Ainda assim, admitiu-nos a importância de informar os legisladores sobre a existência de uma opção «económica» e «pragmática» para as alterações climáticas que a Stardust acredita que estará disponível em breve.
No início deste ano, a empresa também contratou o escritório de advocacia Holland & Knight para fazer lóbi junto dos legisladores. Mas o escritório só divulgou o seu trabalho para a startup depois de perguntarmos à Stardust se os seus representantes estavam a fazer visitas ao Capitólio. A não divulgação inicial dos US$ 260 mil que a Stardust gastou em lóbi até agora este ano foi devido a um erro administrativo, de acordo com a porta-voz da Holland & Knight, Olivia Hoch.
O plano de negócios da Stardust e os recursos e infraestrutura destinados a concretizá-lo eram impressionantes. Mas é normal que apresentações e anúncios de financiamento exaltem as perspetivas até mesmo das ideias de negócios mais extravagantes. E o sucesso da última ronda de financiamento da Stardust também não deve ser visto como um sinal claro de que a empresa terá sucesso. A Lowercarbon Capital, fundo de capital de risco cofundado por Chris Sacca, um dos primeiros investidores do Twitter e da Uber, liderou a ronda de financiamento. A empresa é muito respeitada por fazer grandes apostas climáticas contrárias que dão retorno, disse Evan Caron, fundador do fundo de capital de risco de energia limpa Montauk Capital. Mas muitos investidores de capital de risco ainda acham que foi uma decisão quixotesca apoiar uma empresa que aparentemente precisa de contratos governamentais e acordos internacionais para ganhar dinheiro.
«Eles estão a espalhar e a rezar», disse Caron.
A Lowercarbon defendeu o seu investimento na Stardust, a sua primeira aposta numa empresa de geoengenharia solar. «A Stardust é a equipa científica mais rigorosa do mundo, desenvolvendo a capacidade de impedir com segurança que o planeta fique demasiado quente para os seres humanos e ecossistemas mais vulneráveis», afirmou Clay Dumas, sócio fundador da Lowercarbon, que anteriormente ocupara o cargo de assistente especial na Casa Branca durante a presidência de Obama.
De facto, apesar do ceticismo, alguns acham que é muito cedo para descartar o Stardust. Aniket Shah, diretor-gerente do banco de investimentos Jefferies, é autor de várias notas aconselhando clientes sobre movimentos no setor da geoengenharia. Quando soube que a Lowercarbon estava envolvida com o Stardust, ficou surpreendido. «Uau, uau. Isso é novidade, meu», disse ele. «Isso é um sinal de que essa coisa está a tornar-se mainstream.»
Shah compreendia o motivo do interesse dos investidores. «A transição energética está a ocorrer muito lentamente e, a qualquer momento, haverá uma resposta. E quando essa resposta vier dos decisores políticos, em grande parte, você vai querer ser dono da empresa que pode intervir», afirmou.
Outro investidor da Stardust, Maex Ament, um investidor alemão em tecnologia financeira que vive em Madrid, disse que foi conquistado pela sinceridade e competência de Yedvab. Na sua opinião, a Stardust era «um projeto que eu sei que o mundo precisa». Mas isso não era filantropia, ele estava convencido de que havia um mercado. «Eu não tenho dinheiro para mandar tudo à merda. Não sou tão rico a ponto de esbanjar dinheiro a torto e direito», disse ele. Claro, disse ele, «há um risco enorme de que talvez nunca seja usado. Claro, esse é o risco de uma startup». Mas isso vinha acompanhado de um retorno potencialmente enorme. A Stardust, acrescentou, foi o maior investimento que já fez.
«Não precisa de confiar em nós»
Em outubro, após meses de recusas educadas, Yedvab concordou em falar connosco para esta reportagem. Ele, o seu cofundador e um consultor de comunicação social sediado em Washington voaram até Londres para uma conversa na redação da POLITICO, no bairro de Soho.
Yedvab, 54 anos, parecia um cientista bem-sucedido que se tornara CEO. Ou seja, encantadoramente despretensioso. A sua barba misturava-se com o cabelo grisalho cortado de forma descontraída. Ao seu lado estava o seu cofundador e diretor de produtos, Amyad Spector, um homem nervoso de 42 anos que era visivelmente protetor em relação a Yedvab. Os dois, ambos físicos, já haviam trabalhado juntos na divisão de pesquisa nuclear do governo israelita e conheciam-se há mais de duas décadas. Durante a pandemia, decidiram fazer algo a respeito das alterações climáticas. AS suas investigações iniciais levaram-nos ao desespero. Até que se depararam com a ideia da reflexão da luz solar num relatório de 2021 da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
Yedvab disse que queria encontrarse connosco pessoalmente porque «temos muito a partilhar». Ele expressou o desejo de ser o mais aberto possível, embora tenha dito que o processo de patente o limitava. «Acreditamos que, eventualmente, todas as informações devem ser divulgadas», disse ele. Mas a mensagem principal, a que voltou repetidamente durante uma conversa que durou quase duas horas, foi o seu desejo de que os governos regulamentassem o setor.
«A Stardust não é como qualquer outra empresa», afirmou , devido às implicações globais da sua tecnologia e à «falta de uma estrutura de governança para garantir que estamos a fazer o melhor que podemos». Os seus investidores acreditavam que a regulamentação acabaria por chegar e que a Stardust estaria na melhor posição como um agente responsável para beneficiar dos contratos governamentais que eles prevêem.
“ A nossa convicção é que, realisticamente falando, este campo não pode avançar se não houver uma estrutura regulatória muito sólida”, disse ele, falando num inglês bom, mas imperfeito.
Havia, no entanto, outra razão para Yedvab estar de repente tão interessado em dar uma entrevista. A Stardust estava pronta para anunciar os 60 milhões de dólares que havia angariado junto de 13 novos investidores. Ele estava encantado, disse ele, não pelo dinheiro, mas pelo que isso significava para o projeto. «Estamos a poucos anos de ter a tecnologia pronta a um nível que permita tomar decisões» — o que significa que a implementação ainda estava no caminho certo para começar potencialmente dentro do prazo estabelecido no plano de negócios de 2023. O dinheiro arrecadado foi suficiente para iniciar “testes controlados ao ar livre” já em abril, disse Yedvab. Essas experiências testariam o desempenho das partículas dentro de um avião voando a altitudes estratosféricas, a cerca de 18 km acima da superfície da Terra.
Yedvab não revelou de que material era feita a sua partícula nem onde a Stardust pretendia registá-la. Mas, num e-mail, afirmou que o processo de patenteamento inclui «a exigência de divulgar todos os detalhes». (Nos EUA e na maioria dos outros países, uma patente só é concedida em troca da divulgação pública completa da invenção, geralmente dentro de 18 meses a partir da data do pedido.) Tudo o que ele revelou foi que ela foi «construída a partir de ingredientes que se encontram naturalmente». O importante, insistiu ele, era que a partícula era «segura». Ela não danificaria a camada de ozono e, quando as partículas caíssem na Terra, poderiam ser absorvidas de volta pela biosfera, disse. No entanto, é impossível saber se isso é verdade até a empresa divulgar a sua fórmula.
Yedvab disse que esta ronda de testes deixaria a tecnologia da Stardust pronta para iniciar um processo gradual de implantação global em grande escala antes do final da década — desde que a empresa consiga garantir um cliente governamental. Para começar, eles tentariam apenas estabilizar as temperaturas globais — ou seja, lançar partículas suficientes no céu para neutralizar o aumento constante dos níveis de gases de efeito estufa —, o que inicialmente exigiria uma frota de 100 aviões.
Se fosse verdade que os aviões existentes pudessem ser usados, não haveria nenhuma barreira técnica para o Stardust começar a operar, reduzindo bastante o tempo de implantação. Mas quando essa afirmação foi passada para MacMartin, o engenheiro aeroespacial da Cornell, ele não acreditou. Cada voo deveria ser capaz de transportar muitas toneladas de partículas para ter algum efeito significativo, escreveu MacMartin num e-mail, acrescentando: «Não há nenhuma aeronave que possa chegar a 18 km com uma carga útil razoável (e, na verdade, muito poucas que possam chegar a essa altitude)», disse ele. Num e-mail, Yedvab disse: «De acordo com a nossa pesquisa, não há nenhum impedimento dentro das tecnologias aéreas existentes.» Mesmo que a partícula da empresa se revele segura e haja jatos capazes de atingir as alturas que eles afirmam, a questão que a Stardust não consegue responder é o que acontecerá se eles conseguirem contratos governamentais e decidirem avançar com o projeto. A modelagem tem limites para nos dizer como os complexos sistemas da Terra reagiriam aos humanos brincando com o termostato. A resposta de Yedvab foi, essencialmente, que eles iriam devagar para poderem facilmente reduzir a pulverização se as coisas dessem errado. Admitiu, porém, não poder conhecer todos os efeitos colaterais negativos sem liberar as partículas em grande escala. «A solução não será isenta de consequências», disse ele. Ele só quer que elas sejam ponderadas em relação à catástrofe potencialmente maior de um mundo superaquecido. «Talvez haja uma saída do corredor em que todos estamos caminhando», disse ele.
Sempre que era questionado sobre uma questão de segurança, acabava por dar a mesma resposta. A única maneira de descobrir se a geoengenharia solar é uma boa ideia é colocá-la em prática; e somente uma regulamentação profunda e cuidadosa pode fazer com que isso aconteça com segurança. Não se toma medicamentos nem se entra em aviões a menos que tenham sido aprovados pelas autoridades federais, argumentou ele.
Levantámos a questão de que o estado atual do mundo dificilmente está maduro para um esforço global colaborativo para regulamentar a geoengenharia solar. Em resposta, Yedvab afirmou que a gravidade dos impactos climáticos significava que seria antiético não fazer esse esforço. Descartar algo que poderia, teoricamente, ajudar «não é um privilégio que eu acredito que nós, como humanidade, tenhamos», afirmou.
Na sua opinião, o cenário ideal para a implementação seria algo semelhante à colaboração internacional entre nações e indústrias que salvou a camada de ozono dos poluentes humanos por meio de um acordo da ONU em 1987 — e ele observou que esse também foi um pacto forjado no meio de tensões geopolíticas. Em suma, não deveria ser responsabilidade da Stardust decidir se o seu produto é seguro, disse ele. Essa é uma tarefa dos governos e das instituições internacionais. “Não é preciso confiar em nós. Somos facilitadores da tecnologia, certo?”, disse Yedvab. “Mas, eventualmente, outra pessoa precisará testar, validar e verificar... Deve construir essas camadas que trarão confiança.”
A última oportunidade
É no mínimo irónico que o plano para impedir que o Stardust aumente o sofrimento humano dependa do mesmo sistema internacional em dificuldades que tem repetidamente falhado na sua resposta às alterações climáticas.
Mas mesmo ao entrar na sua aposentação adiada, o trabalho de Pasztor está a encontrar novos defensores. Líderes climáticos sérios na Europa, nos EUA e além — pessoas que deram a cara pelo esforço diplomático global — estão a começar a discutir a criação de uma resposta regulatória ao Stardust e seus semelhantes, de acordo com conversas com vários dos envolvidos que tiveram o anonimato garantido para falar sobre as discussões confidenciais.
De regresso às margens do Lago Genebra em setembro, Pasztor sentou-se ao ar livre num snack-bar com guarda-sóis brancos e pretos e mesas de madeira à beira do lago. O cheiro era de relva recém-cortada. Um barco a vapor passou a caminho de Lausanne. A conversa sobre Stardust e a carreira de Pasztor deixou-o pensativo. Ele acabara de voltar do Colorado, onde passara duas semanas a cuidar dos seus dois netos, de sete e dois anos. Ele tem quatro netos no total e preocupa-se com eles de maneira diferente do que se preocupava com os seus próprios filhos. «Os nossos netos ainda são indefesos, são pequenos», disse ele. «Eles estão apenas a entrar nesta sociedade.» Não se tratava apenas da mudança natural de perspetiva que advém de pertencer a uma geração diferente e ser algumas décadas mais velho. Foi entre o nascimento dos filhos e netos de Pasztor que o mundo perdeu a oportunidade de evitar o aquecimento global catastrófico por meios convencionais.
A trovoada começou a ecoar nas montanhas enquanto regressávamos ao seu apartamento. Da rua, era fácil ver a sua varanda graças à bandeira palestiniana pendurada na grade. Sentado à mesa da cozinha, em frente aos pasteis agora estragados, ele falou sobre os seus anos na linha de frente da luta climática. Os ciclos de esperança e desespero. Agora, encontrou uma nova fonte potencial de otimismo no seu trabalho para garantir que a geoengenharia solar seja regulamentada adequadamente. «Eu acredito nisso», disse ele.
Apesar dos desafios geopolíticos, Pasztor continua a acreditar na sabedoria coletiva e na moderação da cooperação internacional. Simplesmente não há outra opção, disse ele, a não ser continuar a compensar os fracassos do passado com novas tentativas de acertar. «Enquanto não houver governança, esses tipos farão qualquer coisa», disse ele sobre a Stardust.
A chuva agora caía forte do lado de fora da janela de Pasztor. Logo atrás da praça central da vila havia um parque. Debaixo do parque, disse Pasztor, havia um bunker, um dos cerca de 360 mil abrigos públicos e privados construídos pelos suíços durante a Guerra Fria para o caso de um ataque nuclear. Até hoje, muitos deles continuam totalmente abastecidos com suprimentos de emergência. É um símbolo duradouro da riqueza e da cautela suíças. É também uma proteção alpina contra a natureza humana — uma aposta de que, em breve, todas as salvaguardas falharão e seremos confrontados apenas com más escolhas.


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