O ataque em Manchester não é prova de uma onda crescente de antissemitismo, mas de algo completamente diferente: um analfabetismo político crescente e perigoso que está a ser cultivado nas nossas sociedades.
por Jonathan Cook, Substack. Trad. O'Lima.
Esse tipo de analfabetismo político confunde judeus e Israel. É desastroso. Então, vamos ver quem está a incentivar isso?
1. Há décadas que Israel fomenta essa ignorância política. Fá-lo descrevendo-se falsamente e legislando-se como um Estado que supostamente representa todos os judeus do mundo – mesmo os que desprezam a ideologia supremacista étnica do sionismo, que há tanto tempo racionaliza a limpeza étnica dos palestinianos, o regime de apartheid sobre os palestinianos e agora o genocídio dos palestinianos. Israel vangloria-se orgulhosamente de que a expropriação e opressão do povo palestino, a sua agenda colonialista, é feita em nome de todos os judeus do mundo, quer os judeus aprovem ou não.
2. Esta ignorância política existe porque foi alimentada por figuras públicas judaicas na Grã-Bretanha, como o rabino-chefe Ephraim Mirvis, que constantemente identifica a comunidade judaica com Israel e as suas forças armadas; que elogia os crimes das forças armadas israelitas contra os palestinianos, mesmo o massacre de crianças; e exige que os protestos em solidariedade com os palestinianos sejam proibidos para proteger Israel.
3. Esta ignorância política existe porque o primeiro-ministro Sir Keir Starmer diz ao público que o sionismo – uma ideologia política colonialista e supremacista que afirma absurdamente que a «libertação judaica» depende da limpeza étnica, do apartheid e agora do genocídio dos palestinianos – é uma situação normal. Essa ignorância política existe porque ele equipara o antissionismo, a oposição a uma ideologia política racista, ao antissemitismo. Na lógica perversa de Starmer, se todos os judeus apoiam a opressão e o assassinato dos palestinianos., então qualquer pessoa que se oponha a essa opressão só pode fazê-lo porque odeia os judeus.
4. Esta ignorância política existe porque a ministra do Interior, Shabana Mahmoud, associa um ataque a uma sinagoga – aos judeus – aos protestos que tentam impedir a cumplicidade britânica num genocídio a milhares de quilómetros de distância, em Gaza. Ela quer que os manifestantes mostrem «alguma humanidade» e «solidariedade com a comunidade judaica» após o ataque em Manchester. Como se isso fosse algum tipo de jogo de soma zero, no qual a nossa oposição a um genocídio tem de vir à custa de uma comunidade judaica em luto. Como se, convenientemente para o governo, os judeus pensassem com uma só mente, falassem a uma só voz, querendo que os protestos contra o genocídio de Israel e a cumplicidade do governo britânico nele fossem encerrados enquanto eles choravam, ou possivelmente encerrados indefinidamente. Como se houvesse uma escolha binária entre lamentar as cerca de 30 crianças palestinas mortas todos os dias por Israel em Gaza ou partilhar a dor dos judeus britânicos. Como se o público britânico, e mais especificamente os judeus britânicos, fossem incapazes de sentir essas duas dores ao mesmo tempo.
5. Esta ignorância política existe porque as forças policiais estão a pedir que os protestos pacíficos contra o genocídio sejam adiados – para que se adiem as manifestações destinadas a envergonhar o governo britânico pela sua cumplicidade de dois anos no genocídio e pela sua proibição da Palestine Action como organização terrorista por tentar acabar com o fornecimento de armas do Reino Unido a Israel. Como se esses protestos pacíficos, enquanto dezenas de crianças palestinas são assassinadas todos os dias em Gaza, pudessem esperar mais algumas semanas até que a polícia estivesse pronta para lidar com eles, até que a comunidade judaica britânica se sentisse mais segura. Como se a sensação de urgência em acabar com o massacre fosse, mais uma vez, prova de «insensibilidade» às «preocupações judaicas», de antissemitismo. Como se mesmo os mais de mil manifestantes prontos para empunhar silenciosamente cartazes dizendo que se opõem ao genocídio precisassem entender que devem ser presos – e adiar até que a polícia tenha o pessoal necessário para criminalizá-los sob as vergonhosas leis antiterrorismo do Reino Unido.
6. E, acima de tudo, essa ignorância política existe porque, dia após dia, os media britânicos reforçam-na, tratando Israel como o representante dos judeus britânicos mais do que a própria Grã-Bretanha, tratando os judeus como uma unidade única e homogénea, incapaz de pensamento diferenciado ou de dissidência, e tratando qualquer pessoa que se oponha a isso, mesmo judeus, como antissemita.
Se há uma lição a tirar com o ataque à sinagoga de Manchester, é esta: ao proibir protestos contra o genocídio, ao declará-los «terrorismo», o governo britânico alimenta uma visão de mundo igualmente depravada – aquela que diz que, se protestos pacíficos não são permitidos, então protestos violentos são o único caminho a seguir. Esta lição não é nova. Em 1962, o então presidente dos EUA, John F. Kennedy – que dificilmente poderia ser considerado um radical – avisou: «Aqueles que tornam impossível a revolução pacífica tornarão inevitável a revolução violenta». O mesmo pode ser dito sobre os protestos: se os protestos pacíficos forem negados, então os protestos violentos serão garantidos.
A ignorância política fabricada pelas instituições ocidentais não ajuda os palestinianos. Em vez disso, dá às instituições ocidentais mais munições para reprimir o nosso direito de nos manifestarmos em solidariedade com aqueles que estão a ser aniquilados em Gaza.
É precisamente por isso que Israel, os seus defensores na comunidade judaica, o governo britânico, a polícia e os media tudo farão para continuar a alimentá-la. E se o preço for que judeus sejam assassinados nas ruas da Grã-Bretanha, então esse preço, ao que parece, vale a pena ser pago.

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