quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Bico calado

Terence Gavaghan (1922-2011) foi um oficial colonial britânico no Quénia, responsável por seis centros de detenção em Mwea durante a ‘emergência’. Foi o arquiteto chefe da "técnica de diluição" e era conhecido por implementar a destruição sistemática de corpos e mentes nos campos de detenção do Quénia. Durante a Operação Legacy, Gavaghan também participou na queima de documentos em incineradoras e garantiu que outros ficariam permanentemente fechados a cadeado. O principal torturador do governo colonial no Quénia foi também um dos seus principais arquivistas nos últimos dias de governo. Aqui Terence Gavaghan é entrevistado no documentário da BBC "Kenya": White Terror", exibido a 17 de Novembro de 2002 (44')

«Macleod compreendeu isto muito bem. Poucas semanas depois de tomar posse, informou o governador do Quénia de que tinha "decidido cobrir o passado com um véu". Cinzas de provas espalharam-se mais uma vez pelo império enquanto o secretário colonial emitia uma diretiva geral de que nenhum documento seria transmitido a governos independentes que "(a) Pudesse envergonhar o Governo de Sua Majestade ou outros governos; b) Pudesse envergonhar membros da Polícia, forças militares, público ou outros (tais como agentes da Polícia ou informadores); c) Pudesse comprometer fontes de informação; d) Pudesse ser usado de forma antiética por ministros no governo sucessor".

O processo de purga de documentos, chamado Operação Legacy em algumas partes do império, recorreu a esquemas de destruição já testados na Malásia e na Índia. No Quénia, os funcionários desenvolveram o esquema "Watch".  Com ele, cada ministério e departamento dividiu os seus documentos em duas categorias: "Watch" e "Legacy". Os que eram "Watch" eram destruídos ou enviados para a Grã-Bretanha; os que constituíam "Legacy" eram entregues ao governo independente do Quénia.

O esquema "Watch" foi orquestrado diretamente por Macleod. No total, foram enviadas cerca de três toneladas e meia de documentos para o incinerador. Tal como na Malásia, funcionários quenianos, em conformidade com a Regra 3 (iv) do Despacho Circular Secreto do Escritório Colonial n.º 1282/59, preencheram um certificado de destruição para cada documento destruído. Foram enviadas cópias de todos os certificados de destruição ao Gabinete Colonial, onde constituíam um registo permanente. Um grupo selecionado a dedo de oficiais de maior confiança do governo supervisionou as operações no terreno, entre eles o chefe [Terence] Gavaghan. O diretor de tortura do governo britânico no Quénia tornou-se, nos últimos dias do domínio colonial, o seu arquivista de confiança.»

Caroline Elkins, Legacy of Violence – a History of the British Empire. The Bodley Head/Penguin 2022, p 618.

Sem comentários: