Bico calado
- «(…) O facto de Maradona ter morrido de ataque cardíaco
aos 60 anos parece predestinado por várias razões. Ele levou uma vida de
excessos e vícios; de cocaína e grandes flutuações de peso que sem dúvida
colocavam um imenso estresse sobre o seu coração. Ele também viveu uma vida de
intensidade apaixonada e rebelde, opondo-se sempre ao imperialismo; defendendo
sempre a autodeterminação da América Latina e do Sul Global, falando sempre
pelas crianças que cresciam em condições semelhantes à pobreza abjeta da sua própria
criação no bairro Villa Fiorito de Buenos Aires. Ele era o quinto de oito
filhos, vivia sem água canalizada ou eletricidade e nunca se esqueceu disso. O
seu coração pode simplesmente ter sido grande demais para o peito. Diego
Maradona assumiu posições políticas ao longo da sua vida que nunca foram
fáceis. Católico, encontrou-se com o Papa João Paulo II e depois disse à
imprensa: “Eu estive no Vaticano e vi todos aqueles tetos dourados e depois
ouvi o Papa dizer que a Igreja estava preocupada com o bem-estar das crianças
pobres. Então venda o seu teto, amigo, faça alguma coisa!” Ele tentou durante
anos formar um sindicato de jogadores profissionais de futebol, dizendo em
1995: “A ideia da associação é uma forma de mostrar a minha solidariedade para
com tantos jogadores que precisam da ajuda dos mais famosos... Não queremos
lutar contra ninguém, a menos que eles queiram uma luta.” Maradona esteve
sempre com os oprimidos, especialmente com o povo da Palestina. Ele garantiu
que não fossem esquecidos, afirmando em 2018: “No meu coração, sou palestino”.
Ele era um crítico da violência israelita contra Gaza e chegou a constar que
ele seria o técnico da seleção palestiniana durante a Copa Asiática de Seleções
de 2015. Maradona tinha tatuagens de Fidel Castro e Che Guevara,
comparando-se a Guevara, chamando-o de seu herói. Maradona atribuiu ao sistema
médico cubano a salvação da sua vida, saindo do tratamento que lá fez como se
ainda pudesse enfrentar a época seguinte de competições. Ele apoiou o líder
venezuelano Hugo Chávez, numa época em que Chávez estava a aplicar planos
radicais para redistribuir o rendimento e a educação para os pobres do país.
Foi um adversário firme do regime de Bush e da guerra do Iraque e exibia
camisolas que proclamavam Bush como um criminoso de guerra. (…)» David Zirin,
Diego Maradona: camarada do Sul global - Dissident Voice.
- «(…) Dir-se-á que há aspectos da sua vida que impedem
qualquer celebração. Mas o que faríamos então com figuras como Louis-Ferdinand
Céline, Pablo Picasso, Charles Chaplin, Martin Heidegger, Elvis Presley,
Michael Foucault e muitos outros? Não poderíamos elogiar a sua arte porque a
sua vida privada e/ou pública não foi imaculada? Que tipo de compreensão do
humano pressupõe essa avaliação? Estamos à procura de santos? (…) quem nos
garante que quem o julga não tem também telhados de vidro? (…) Paternalismo
demais para querer formar indivíduos racionais e autónomos. Deixemos a
pedagogia para os menores de idade. Confiemos democraticamente na capacidade de
julgamento dos adultos. Discutamos tudo com todos, mas em igualdade de circunstâncias,
sem superioridade moral, nem preconceitos coloniais ou de classe. (…)» Javier
Franzé – CTXT.
- «Quem não sabia já, ficou agora a saber o que é a luta
pela conquista do mercado pela indústria farmacêutica. Temos assistido a um
espectáculo nunca visto (não porque não estivesse em cena, mas porque os seus
palcos estavam mais escondidos) da captura e da instrumentalização da ciência
para fins económicos e políticos. Médicos e cientistas convertidos ao
populismo, reivindicando a condição de “stars”, lutas pela autoridade
científica através de meios alheios às regras do campo científico: a par do
populismo político, de que tanto se fala, há outros populismos que não atraem
tanto a atenção, tais como o populismo médico, o populismo científico (uma
contradição nos termos) e um populismo mediático que está tão normalizado que
já nem o nomeamos. Nós, leigos e mortais, sabemos agora que é quase impossível
organizer uma discussão racional.» António Guerreiro, Nós, heróis da
preguiça... – Público 27nov2020.
- Sarkozy começa a responder em tribunal por corrupção e
tráfico de influências. António Saraiva Lima, Público 26nov2020.
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