domingo, 29 de novembro de 2020

Bico calado

  • «(…) O facto de Maradona ter morrido de ataque cardíaco aos 60 anos parece predestinado por várias razões. Ele levou uma vida de excessos e vícios; de cocaína e grandes flutuações de peso que sem dúvida colocavam um imenso estresse sobre o seu coração. Ele também viveu uma vida de intensidade apaixonada e rebelde, opondo-se sempre ao imperialismo; defendendo sempre a autodeterminação da América Latina e do Sul Global, falando sempre pelas crianças que cresciam em condições semelhantes à pobreza abjeta da sua própria criação no bairro Villa Fiorito de Buenos Aires. Ele era o quinto de oito filhos, vivia sem água canalizada ou eletricidade e nunca se esqueceu disso. O seu coração pode simplesmente ter sido grande demais para o peito. Diego Maradona assumiu posições políticas ao longo da sua vida que nunca foram fáceis. Católico, encontrou-se com o Papa João Paulo II e depois disse à imprensa: “Eu estive no Vaticano e vi todos aqueles tetos dourados e depois ouvi o Papa dizer que a Igreja estava preocupada com o bem-estar das crianças pobres. Então venda o seu teto, amigo, faça alguma coisa!” Ele tentou durante anos formar um sindicato de jogadores profissionais de futebol, dizendo em 1995: “A ideia da associação é uma forma de mostrar a minha solidariedade para com tantos jogadores que precisam da ajuda dos mais famosos... Não queremos lutar contra ninguém, a menos que eles queiram uma luta.” Maradona esteve sempre com os oprimidos, especialmente com o povo da Palestina. Ele garantiu que não fossem esquecidos, afirmando em 2018: “No meu coração, sou palestino”. Ele era um crítico da violência israelita contra Gaza e chegou a constar que ele seria o técnico da seleção palestiniana durante a Copa Asiática de Seleções de 2015. Maradona tinha tatuagens de Fidel Castro e Che Guevara, comparando-se a Guevara, chamando-o de seu herói. Maradona atribuiu ao sistema médico cubano a salvação da sua vida, saindo do tratamento que lá fez como se ainda pudesse enfrentar a época seguinte de competições. Ele apoiou o líder venezuelano Hugo Chávez, numa época em que Chávez estava a aplicar planos radicais para redistribuir o rendimento e a educação para os pobres do país. Foi um adversário firme do regime de Bush e da guerra do Iraque e exibia camisolas que proclamavam Bush como um criminoso de guerra. (…)» David Zirin, Diego Maradona: camarada do Sul global - Dissident Voice.
  • «(…) Dir-se-á que há aspectos da sua vida que impedem qualquer celebração. Mas o que faríamos então com figuras como Louis-Ferdinand Céline, Pablo Picasso, Charles Chaplin, Martin Heidegger, Elvis Presley, Michael Foucault e muitos outros? Não poderíamos elogiar a sua arte porque a sua vida privada e/ou pública não foi imaculada? Que tipo de compreensão do humano pressupõe essa avaliação? Estamos à procura de santos? (…) quem nos garante que quem o julga não tem também telhados de vidro? (…) Paternalismo demais para querer formar indivíduos racionais e autónomos. Deixemos a pedagogia para os menores de idade. Confiemos democraticamente na capacidade de julgamento dos adultos. Discutamos tudo com todos, mas em igualdade de circunstâncias, sem superioridade moral, nem preconceitos coloniais ou de classe. (…)» Javier Franzé – CTXT.
  • «Quem não sabia já, ficou agora a saber o que é a luta pela conquista do mercado pela indústria farmacêutica. Temos assistido a um espectáculo nunca visto (não porque não estivesse em cena, mas porque os seus palcos estavam mais escondidos) da captura e da instrumentalização da ciência para fins económicos e políticos. Médicos e cientistas convertidos ao populismo, reivindicando a condição de “stars”, lutas pela autoridade científica através de meios alheios às regras do campo científico: a par do populismo político, de que tanto se fala, há outros populismos que não atraem tanto a atenção, tais como o populismo médico, o populismo científico (uma contradição nos termos) e um populismo mediático que está tão normalizado que já nem o nomeamos. Nós, leigos e mortais, sabemos agora que é quase impossível organizer uma discussão racional.» António Guerreiro, Nós, heróis da preguiça... – Público 27nov2020.
  • Sarkozy começa a responder em tribunal por corrupção e tráfico de influências. António Saraiva Lima, Público 26nov2020.

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