quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Reflexão – Podem empresas privadas processar Estados por estes defenderem a saúde dos seus cidadãos?


Uma empresa de gás britânica, Ascent Resources, avançou com um processo contra a Eslovénia por esta ter tomado medidas para proteger as suas águas subterrâneas de contaminação devido a operações de fraturação hidráulica para extração de gás e petróleo. A empresa britânica exige mais de € 50 milhões em compensações para os alegados prejuízos. 

O caso surgiu durante a segunda ronda de negociações em Bruxelas para renegociar o Tratado da Carta da Energia e numa altura em que 140 eurodeputados criticam o tratado numa carta aberta. Os deputados consideram que o Tratado da Carta da Energia “não é consistente com o Acordo Verde Europeu, nem com a proposta de lei climática da UE” e apelam a uma reforma fundamental. 

A Ascent Resources pretendia extrair gás do campo de gás Petišovci no leste da Eslovênia, mas não conseguiu começar depois de a Agência Ambiental da Eslovénia ter exigido à empresa a realização de uma avaliação de impacto ambiental, necessária para obter uma licença ambiental. Essa medida era obrigatória devido à localização das operações previstas de fraturação hidráulica próximas de fontes de água críticas, representando um risco para a saúde da população local. A Ascent Resources fez lóbi junto do Ministério do Ambiente da Eslovénia para concluir os procedimentos de licenciamento sem avaliar os impactos ambientais, o que provocou a demissão do diretor e uma investigação criminal. 

Lidija Živčič, dos Amigos da Terra Eslovénia, diz: «Processar a Eslovénia por proteger a nossa água e fazer respeitar as nossas leis é ultrajante. Os efeitos da fraturação hidráulica são tão perigosos para o ambiente e saúde humana que muitos países europeus, incluindo Irlanda, França e Bulgária, baniram-na completamente. Apelamos ao governo esloveno para não ceder a esta pressão.» 

Os países da UE que baniram ou introduziram moratórias sobre a fraturação hidráulica incluem: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Dinamarca, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Espanha, Eslováquia e Suécia. O Reino Unido e a Eslovénia subscreveram o Tratado da Carta da Energia - um tratado controverso que dá aos investidores o direito de contestar os governos por meio de tribunais privados paralelos, ou mecanismos ISDS (resolução de disputas entre investidores e estados). O Tratado da Carta da Energia dá aos investidores, mesmo às empresas de combustíveis fósseis que destroem o clima, a opção de pedir milhões de euros de dinheiro público em compensação aos governos, mesmo que os Estados aprovem ou apliquem leis de proteção ambiental legítimas e necessárias. 

Paul de Clerck, coordenador de justiça económica da Friends of the Earth Europe, afirma: «É um escândalo que, durante uma emergência climática e ambiental, um país como a Eslovénia possa ser processado por fazer a coisa certa, protegendo a sua água e ambiente de fraturação hidráulica destrutiva. Embora os negociadores estejam agora reunidos para ajustar o Tratado da Carta da Energia que protege os poluidores, este caso demonstra que o tratado está fora de prazo e que a UE e seus Estados membros precisam de sair dele. O tratado já facilitou ataques às políticas climáticas em países como Alemanha e França». FOE Europe

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