quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Bico calado


Uma teia de enganos: A Amnistia Internacional em Hong Kong
por Laura Ruggeri, na Medium.


Em junho de 2018, cinco estudantes de direito da Universidade de Hong Kong e o seu mentor americano voaram, com todas as despesas pagas, para o Reino Unido para participar numa conferência de verificação digital organizada pela Universidade de Cambridge em colaboração com a Amnistia Internacional e a Open Society Foundations, de George Soros.
A experiência técnica foi fornecida, entre outros, por membros da Bellingcat, Global Voices, Credibility Coalition, ou seja, "especialistas" do cartel de organizações de controle narrativo criado e patrocinado pelo National Endowment for Democracy, Atlantic Council, Omidyar Network e Open Society Foundations .

Seis meses antes, em janeiro de 2018, os mesmos alunos tinham sido admitidos no Digital Verification Corps (DVC) pelo seu fundador, Sam Dubberley, chefe do Laboratório de Evidências de Crise da Amnistia Internacional, que viajou para Hong Kong para esse fim. A equipa de Hong Kong foi encarregada de duas investigações: uma sobre um suposto ataque com armas químicas em Kafr Zita, na Síria, uma zona sob o controle militar de milícias jihadistas; a segunda, uma investigação sobre a alegada brutalidade policial durante um protesto na República Democrática do Congo. À luz dos desenvolvimentos subsequentes em Hong Kong, ou seja, a tentativa de revolução colorida em 2019, a atribuição dessas tarefas específicas para aperfeiçoar as competências da equipa parece muita coincidência.
Então, para que foi que esses jovens estudantes de Hong Kong passaram centenas de horas a estudar imagens de satélite do norte da Síria, a vasculhar material de propaganda angustiante que incluía imagens de vídeo de crianças engasgadas com gás cloro? Afinal, antes de cumprir esta missão, eles não sabiam nada sobre a guerra sangrenta que atraiu jihadistas sírios de todo o mundo para derrubar seu governo. E de que adiantava reunir evidências da brutalidade policial na África Central?

Não interessa que a corrida armamentista entre a informação e a desinformação tenha feito parte integrante do conflito na Síria - a manipulação da opinião pública atingiu níveis tão altos que membros da Al-Qaeda envergando capacetes brancos até ganharam um Oscar - a atribuição dessas tarefas específicas ensinaria aos alunos como aplicar com proficiência as capacidades retóricas que adquiriram no curso 'Direitos humanos na prática'. Acima de tudo, por meio desse exercício eles aprenderiam os princípios da geolocalização e como usar ferramentas digitais sofisticadas e software de criptografia.

É claro que toda aquela formação não foi desperdiçada: um ano depois, esses alunos estariam a investigar ataques químicos e brutalidade policial na sua própria cidade. Que estranho.

Segundo os seus promotores, a verificação digital, assim como a investigação de código aberto, envolve o exame microscópico de material publicamente disponível, como imagens de satélite, postagens em redes sociais, vídeos do YouTube e bancos de dados online para descobrir a verdade sobre um evento em questão. As suas origens estão no mundo das informações e da aplicação da lei. Mas se olharmos para a sua aplicação pelos "especialistas" da Amnistia Internacional, perceberemos imediatamente que esses estudantes universitários não tiveram necessidade de descobrir a verdade.

Durante os distúrbios que abalaram Hong Kong em 2019, o seu trabalho consistia em detalhar os casos de uso de gás lacrimogéneo num mapa interativo, recolher e catalogar evidências em fotos e vídeos fornecidas por ativistas na linha de frente dos protestos ilegais. No entanto, eles rejeitaram convenientemente os atos horríveis de violência e sabotagem cometidos pelos manifestantes vestidos de preto que privavam os residentes da sua liberdade de expressão, liberdade de movimentos, direito de viver em segurança e ganhar a vida.

Usando a suposta autoridade dos relatórios do DVC como uma parra para encobrir o seu preconceito, a Amnistia Internacional condenou publicamente "o uso criminoso de gás lacrimogéneo e outros abusos dos direitos humanos pela Polícia de Hong Kong" e lançou uma campanha contra o gás lacrimogéneo que fez o Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura a equiparar o seu uso a um ato de tortura.

Esses relatórios deram mais combustível aos media locais e internacionais que demonizaram a polícia de Hong Kong desde o início dos protestos anti-extradição. Eles também levaram o Reino Unido a revogar as licenças de exportação de equipamentos de controlo de multidões para Hong Kong. À medida que mais equipamentos vinham da China continental, os telefones dos residentes locais e as redes sociais eram bombardeados com mensagens sobre a toxicidade do gás lacrimogéneo chinês no que parecia ser uma campanha de desinformação coordenada: essas mensagens semearam pânico, confusão e desconfiança sobre a polícia de Hong Kong polícia entre o público em geral.

Além disso, qualquer pessoa forçada a ficar em de casa devido à guerrilha nas ruas passou a ser retratada como vítima de suposta brutalidade policial por inalar gás lacrimogéneo que “se infiltrava pelas janelas”. O medo público foi imediatamente explorado por Ted Hui, um deputado do Partido Democrata, que avançou com um processo no Supremo Tribunal para obrigar o réu - o comissário de polícia - a revelar todos os ingredientes do gás lacrimogéneo usado na cidade.

Vejamos agora, mais em pormenor, o Digital Verification Corps (DVC). Dado que a definição comum de "corpo" sugere uma unidade militar treinada para desempenhar funções específicas, o uso deste termo para descrever uma parceria académica / ONG parece uma escolha estranha. No entanto, acaba por ser uma descrição perfeitamente apropriada se submetermos esta parceria e seus objetivos a um exame mais minucioso.

O DVC da Amnistia Internacional foi criado em 2016 na Universidade da Califórnia, Berkeley nos EUA, na Universidade de Essex no Reino Unido e na Universidade de Pretória na África do Sul. Um ano depois, o DVC estendeu as suas operações à Universidade de Toronto e recrutou uma equipa na Universidade de Hong Kong, através de alguns académicos norte-americanos que dirigem o Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito.

O orador principal na primeira conferência do DVC foi Eliot Higgins, fundador da Bellingcat e na altura um membro sénior do Digital Forensic Research Lab (DFRL). Tanto Bellingcat como DFRL são canais experimentados e testados para as campanhas de desinformação do Atlantic Council, produzindo relatórios que são imediatamente divulgados e amplificados pelos grandes media de referência.

Sam Dubberley e Eliot Higgins não são estranhos entre si: antes de ingressar na Amnistia Internacional para criar e administrar o seu DVC, Sam Dubberley foi membro do conselho consultivo do Syrian Archive, uma organização sem fins lucrativos que se encaixa perfeitamente nas criações do governo britânico, como os Capacetes Brancos.

Higgins e Dubberley também foram membros fundadores do First Draft, uma agência de notícias apoiada pela Rede Omidyar e encarregada de lavar propaganda, assim como Bellingcat. O seu modelo de funcionamento é bem oleado: o First Draft mantém contato com jornalistas e ativistas da oposição - aqueles considerados úteis para promover a agenda anglo-americana e difamar os seus adversários - para recolher ou fazer vídeos para as redes sociais. Este material é prontamente entregue a ‘laboratórios’ como Bellincat, DVC e DFRL que depois, usando ‘ferramentas forenses’, declaram que são altamente credíveis.

Estas histórias e vídeos estão, portanto, prontos para serem selecionados e embelezados pelos media corporativos, que, por sua vez, podem alegar que realizaram as devidas diligências e tiveram uma história genuína verificada. Um processo que, desde a criação, recolha, análise e divulgação, é frequentemente auxiliado por serviços secretos amigáveis. Aliás, em nome da luta contra as notícias falsas e visando "comportamentos inautênticos", o Facebook fez parceria com o DFRL para reprimir as vozes críticas. Eles decidem o que você e milhões de utentes veem - e não veem – nos seus feeds de notícias, que artigos ou vídeos são "credíveis" e podem ser partilhados, que páginas devem ser retiradas, que utentes devem ser suspensos e banidos. Convém aos EUA, um autoproclamado baluarte da liberdade, terceirizar a censura e a gestão narrativa para gigantes da tecnologia que podem restringir legalmente a liberdade de expressão porque a Primeira Emenda não se aplica a entidades privadas.

Poderá perguntar-se porque é que essas 'ferramentas forenses' não foram utilizadas pelo DVC da Amnistia e outras organizações semelhantes para verificar a identidade de Kong Tsung-gan, o 'ativista e autor de Hong Kong' amplamente citado como uma fonte respeitável pelos media locais e internacionais quando eles estavam a cobrir a agitação civil na nossa cidade. De facto, essa investigação não exigiria nem imagens de satélite nem ferramentas digitais sofisticadas, porque o homem branco americano que se escondia atrás daquele pseudónimo chinês era muito conhecido da Amnistia Internacional.

Como funcionário sénior, Brian Kern desenvolveu um programa de educação em direitos humanos da Amnistia Internacional em 15 países antes de se mudar para Hong Kong para ingressar na Escola Internacional Chinesa. Um ferrenho ativista anti China e um campeão da independência do Tibete, Hong Kong e Xinjiang, ele não estava satisfeito em apenas pregar o evangelho dos direitos humanos a alunos do ensino secundário. Ele realizou as suas atividades "educacionais" na linha da frente dos protestos de Hong Kong, onde foi repetidamente fotografado instruindo jovens rebeldes a atirar tijolos e cocktails molotov contra a polícia.

A capacidade de sincronizar diferentes quadros performativos - no caso de Brian Kern, defensor e educador dos direitos humanos, proeminente analista de Hong Kong sob uma identidade chinesa falsa, agente provocador - é um requisito para operativos de mudança de regime e é por isso que dezenas de pessoas como ele estão a ser recrutadas em projetos de desestabilização em todo o mundo.

A formação de uma nova geração de ‘defensores dos direitos humanos’ começa nas escolas primárias e secundárias, mas é claro que não fica por aí. Os líderes de amanhã vão à universidade e a Universidade de Hong Kong, a instituição terciária mais antiga e prestigiada da cidade, deve ter parecido uma escolha óbvia. Como parte dos seus esforços de recrutamento no campus, a Amnistia Internacional prometeu aos alunos “Ao ingressar no DVC, você influenciará narrativas internacionais de violações de direitos humanos e trará novas perspetivas para a defesa dos direitos humanos, aprenderá como conduzir investigações de código aberto, ganhará experiência de trabalho com investigadores e especialistas internacionais de direitos humanos em todo o mundo e terá a oportunidade de viajar e participar no congresso do DVC”. A perspetiva deve ter sido irresistível para estudantes idealistas que desejam viajar pelo mundo e salvá-lo ao mesmo tempo, graças à "generosidade" de plutocratas e suas fundações credenciadas pelos Estados Unidos.

Depois, poderiam começar a usar plataformas desenvolvidas pela Meedan para verificar e arquivar informações de forma colaborativa, usar 'computadores anónimos’ para navegar online e um conjunto de computadores ‘seguros’ para análise que mantém as informações separadas do resto das suas atividades académicas. Esses métodos de partilhar, criptografar e armazenar informações isolam a equipa e presumivelmente evitam o escrutínio das suas atividades pela Faculdade de Direito e pelo Conselho de Administração da universidade.

Depois de se formarem, os novos recrutas podem concorrer a empregosd bem remunerados como profissionais humanitários. Afinal, não faltam ONGs e laboratórios de ideias que trabalham lado a lado com o governo dos Estados Unidos e seus aliados para enquadrar e mudar narrativas, plantar histórias nos grandes media, pressionar Estados recalcitrantes, defender sanções e intervenções militares, apresentar processos judiciais com vista a processar a nível internacional os governos que resistem à interferência nos seus assuntos internos.

Visto que vários países já baniram ONGs que desempenham um papel desestabilizador na oferta dos seus doadores, registamos uma nova estratégia para contornar essa proibição: eles substituíram a investigação local por inteligência de código aberto.

Jeffrey White (Defense Intelligence Agency) revelou à revista The Newyorker: “Costumávamos enviar unidades de reconhecimento ao cimo das colinas e reportar sobre as forças hostis. Agora temos pessoas correndo por aí tirando fotos e postando nas redes sociais.”

Por exemplo, em 2017, o Tribunal Penal Internacional emitiu, pela primeira vez, um mandado de prisão baseado exclusivamente em evidências de vídeo das redes sociais, enquanto o relatório fortemente editado sobre ataques de gás na Síria pela Organização para a Proibição de Armas Químicas dependia fortemente de imagens do Google Earth que foram anotadas segundo o estilo Bellingcat. Não interessou que membros respeitados da equipa de investigação da OPAQ discordassem das conclusões. Você não pode comprar ou pressionar todos, mas isso não é um problema: o Programa de Tecnologia e Direitos Humanos da UC Berkeley, trabalhando em conjunto com a DVC, tem muita influência em Haia, visto que os seus peritos nas áreas de software, segurança, análise, e inteligência de código aberto já está a ajudar a aprimorar a capacidade tecnológica dos investigadores do Tribunal Penal Internacional.

ONGs, laboratórios de ideias e académicos que trabalham para eles, longe de serem fornecedores neutros de conselhos sólidos sobre políticas, tornaram-se participantes distintos na luta entre atores globais pela influência sobre as opções económicas, os rumos da sociedade e as decisões políticas. Não só agem como vendedores efetivos do neoliberalismo global e seus valores associados, mas também, aproveitando uma definição restrita e seletiva de direitos humanos, produzem e reproduzem preconceitos e narrativas destinadas a reforçar a hegemonia dos EUA. Como veículos da influência americana, eles desempenham um papel integral numa estratégia de guerra conhecida como guerra híbrida, voltada não tanto para derrotar o inimigo militarmente, mas para mudar o regime nos Estados-alvo. As suas marcas registadas são pressão financeira e económica, ataques cibernéticos, guerra de informação, media global e campanhas de direitos humanos, revoluções coloridas e exércitos de procuração, se necessário.

Segundo analistas da NATO, “a guerra híbrida, pelo menos nas suas etapas iniciais, é normalmente adaptada para permanecer abaixo dos limites de deteção e resposta óbvios e muitas vezes depende da velocidade, volume e onipresença da tecnologia digital que caracteriza a atual era da informação”. Foi o que fez em Hong Kong até o governo central intervir.

À medida que a guerra híbrida confunde as linhas entre guerra e paz, militar e civil, nacional e estrangeira, pública e privada, física e digital, vemos evidências claras de que as ONGs se tornaram contratantes globais de facto e o complexo ONG-media-universidade pode desempenhar um papel defensivo e ofensivo. Pode aprofundar fissuras sociais explorando falhas internas, criar e disseminar ‘histórias de atrocidade’, manipular ou modular uma crise, quer exacerbando quer minimizando-a, e é por isso que o controlo deste complexo altamente integrado é vital para os EUA.

O nível de interpenetração entre departamentos estaduais, ONGs, laboratórios de ideias, media e universidades aumentou tanto que o modelo da porta giratória, em que as funções eram desempenhadas em sequência, parece ter sido substituído por uma versão atualizada: agora os intervenientes desempenham mais funções do que no passado e ao mesmo tempo, e podem facilmente estruturar a sua sobreposição para criar uma coincidência de interesses.

Nas guerras híbridas de hoje, operativos de mudança de regime são mais úteis do que agentes secretos porque não precisam de camuflagem para se diluírem no ambiente; a sua missão é moldá-lo à sua semelhança. Por meio de um processo que parece tão natural e fácil como a osmose, as suas ideias, conhecimentos e valores são gradativamente e muitas vezes inconscientemente assimilados por aqueles com quem interagem, criando um efeito de enxame que pode dominar ou saturar as defesas do alvo principal. É precisamente a sua visibilidade e credenciais que permitem que esses agentes se escondam à vista de todos, desenvolvam e fortaleçam uma rede global de influências que leva ao pensamento de grupo e ao comportamento coletivo desejado.

Como a tecnologia digital desempenha um papel central na recolha e partilha de informações, a Amnistia Internacional investiu uma quantidade considerável de recursos para fortalecer a segurança, impulsionar as suas capacidades de tecnologias de informação e oferecer apoio ao DVC. Em 2019, a ONG revelou o seu próprio Laboratório de Segurança com sede em Berlim para fornecer formação em segurança digital e apoio individual a ativistas globais.

Ou seja, tecnologia que pode contornar firewalls governamentais, proteger mensagens de texto e voz por telefone e impedir ataques a sites. Claro, a maioria das organizações contrata especialistas em segurança, mas a opção de contratar Claudio Guarneri, um hacker que se autodenomina de defensor dos direitos humanos como chefe de segurança é significativa. Em 2014, Guarneri já dava conselhos a manifestantes de Hong Kong sobre segurança digital enquanto trabalhava como Pesquisador Sénior do CitizenLab em Toronto (ele ainda faz parte do Conselho Consultivo Técnico). Baseado na Universidade de Toronto, o CitizenLab faz espionagem e contra-espionagem digital sob a capa de um laboratório de pesquisa académica. Por operar na interseção de informações, tecnologias de comunicação e direitos humanos, estas ramificações da Amnistia Internacional, Laboratório de Segurança e DVC estão bem posicionadas para servir como um canal para o trabalho de secretas. Nunca foi tão fácil transformar ativistas e forças de oposição em agentes secretos.

Paradigmático do histórico contaminado da Amnistia Internacional e mais um exemplo flagrante da estreita colaboração entre esta organização e o governo dos EUA, é a trajetória de da carreira de Louisa Coan Greve, uma conhecida agente de mudança de regime que tem uma longa associação com Hong Kong.
Entre 1993 e 1998, ela atuou no conselho nacional de diretores da Amnistia Internacional dos EUA e foi membro do Grupo de Coordenação da Amnistia na China de forma pro bono durante oito anos. Ao mesmo tempo, ela também foi vice-presidente para a Ásia, Médio Oriente e Programas Globais, no National Endowment for Democracy, a face apresentável da CIA. Nessa posição, ela foi incumbida, entre outras missões, de financiar os partidos de oposição de Hong Kong e a intrincada rede de organizações trabalhistas, civis e de direitos humanos que foram fundamentais para orquestrar duas tentativas de uma revolução colorida em Hong Kong.
De 1999 a 2004, a Sra. Greve foi membro do Conselho de Relações Exteriores, partilhando a sua experiência em tópicos como “Segurança Nacional dos EUA: novas ameaças num mundo em mudança”. Atualmente é Diretora de Defesa Global do Projeto de Direitos Humanos Uigur. Para contextualizar a sua preocupação humanitária, convém lembrar que Xinjiang é vital para a Belt and Road Initiative, um projeto que os EUA tentaram sabotar antes mesmo de ser oficialmente revelado.

Dado que a Amnistia Internacional tem seguido fielmente a linha de Washington e Londres, não é surpresa que em 1 de julho de 2020, poucas horas após a sua introdução em Hong Kong, a Lei de Segurança Nacional já tivesse acionado a resposta automática da Amnistia Internacional. No seu longo comunicado, a organização afirmava que “os habitantes de Hong Kong estão enfrentando um ataque das autoridades de Pequim e do governo de Hong Kong às liberdades de que gozam há muito tempo. Considerando os aspetos draconianos da lei, a maneira mais eficaz de proteger as pessoas em Hong Kong da repressão é garantir o cumprimento estrito dos direitos humanos.” Esta denúncia foi imediatamente retransmitida e amplificada pelos grandes media. (…)

A intenção da Amnistia Internacional não era encorajar um debate racional e informado sobre a segurança nacional, porque, como se viu 5 semanas antes, quando a lei estava em discussão e seu texto ainda estava a ser redigido, a organização escreveu no Twitter: “A lei de segurança nacional proposta pela China é um atentado terrível aos direitos humanos em Hong Kong”. Posteriormente assinou uma carta conjunta instando o governo chinês a não aprovar a lei.
De acordo com esta lógica distópica, um país pode ser denunciado publicamente por uma agressão a alguns direitos humanos não especificados que pode ocorrer no futuro. Não se encaixaria perfeitamente numa sequência do Minority Report? Uma organização de direitos humanos, composta por humanos mutantes conhecidos como PreCogs (precognitivos), auxilia a unidade PreCrime de Washington DC e sinaliza suspeitos antes que eles cometam crimes reais. Exagerado? Infelizmente, não é tão implausível se examinarmos o papel desempenhado por organizações de direitos humanos na assistência à política externa americana.

Quando a cruzada moral contra o comunismo perdeu a sua razão de ser com a desintegração do bloco soviético, os EUA e os seus aliados precisaram de uma nova arma ideológica que encobrisse os seus interesses geopolíticos e económicos, ao mesmo tempo que fornecesse uma justificação moral para a intervenção militar e imposição de restrições e sanções comerciais aos seus rivais.
As ONGs humanitárias foram identificadas como uma ferramenta política extremamente eficaz para governar as relações internacionais e introduzir novas regras com base na estrutura jurídica anglo-americana, considerada superior a qualquer outro sistema jurídico.

Ao apelar para a universalidade dos direitos humanos, enquanto ao mesmo tempo negam aos seus próprios cidadãos muitos desses direitos, os EUA e seus aliados, cooperando com poderosas corporações globalistas, apostam na erosão de uma das pedras angulares do Direito Internacional, o princípio da não intervenção, que é o direito de todo Estado soberano de conduzir os seus negócios sem interferência externa.
Não é por acaso que as ONGs de direitos humanos começaram a brotar durante o processo de descolonização na Ásia e na África, quando as guerras de libertação nacional levaram à criação de novos Estados soberanos. Os humanitários capturaram conceitos outrora contra-hegemónicos, esvaziaram-nos de qualquer potencial emancipatório social e económico e transformaram-nos em armas que poderiam ser usadas contra projetos políticos frequentemente inspirados pelo marxismo e pelo maoísmo.

Aproveitando a teologia neoliberal de "liberdade, democracia e direitos humanos", isto é, liberdade de mercado, falsa democracia e direitos individuais em oposição aos direitos coletivos, o Ocidente manteve efetivamente o controle sobre o espaço pós-colonial.

As ONGs de direitos humanos podem restringir e influenciar a política de fora, sem elas mesmas serem políticas. Elas podem atacar e difamar governos legítimos e líderes políticos que desfrutam do apoio do seu povo, enquanto essas organizações - grupos de lóbi financiados por governos e elites ocidentais - não têm legitimidade, a menos que se considere o seu complexo de superioridade como uma fonte de legitimidade política.
Apesar do facto de não existir uma relação direta de atribuição de poder entre as ONGs e os cidadãos - elas só prestam contas aos seus principais doadores e à diretoria - nos últimos quarenta anos, as organizações não governamentais garantiram funções sociopolíticas com base no pressuposto de que agem com base em imperativos morais. Mais do que uma solução, são um sintoma da crise da representação política e da democracia.

Em 1 de julho de 2020, dia em que a Lei de Segurança Nacional foi introduzida em Hong Kong, a Amnistia Internacional, durante uma apresentação ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, fez esta declaração para a denunciar: “De agora em diante, a China terá o poder de impor as suas próprias leis a qualquer suspeito de crime que escolher ”. Isto não revela perfeitamente a mentalidade arrogante de uma organização neocolonial? Como ousa a China impor suas próprias leis ... na China!

Quanto à imparcialidade e credibilidade dos relatórios da Amnistia Internacional, deixo que aqueles que testemunharam a violência, destruição e caos sem sentido desencadeados pelos desordeiros julguem por si próprios outra pérola contida no mesmo documento apresentado à ONU: “os manifestantes que marcharam contra o projeto de extradição em 2019 - e recentemente voltaram numa escala menor na esteira da COVID-19 - foram extremamente pacíficos.”

Talvez não seja por acaso que a maior organização de direitos humanos do mundo gasta uma grande parte do seu orçamento na promoção e proteção da sua marca, manipulando mentes jovens, pagando caro e comprando o silêncio da sua equipa sénior enquanto intimida a sua equipa júnior. Convenhamos que vestir as aspirações da elite global financeira e os objetivos da política externa dos EUA e seus aliados como “defesa dos direitos humanos” não é uma tarefa fácil.»

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