terça-feira, 23 de junho de 2020

Bico calado

  • Suketu Meta (8): «Entre 1761 a 1808, os britânicos afastaram 1.428.000 africanos de suas famílias e enviaram-nos para o todo o mundo. Com este crime monstruoso, eles acumularam 8 mil milhões de libras na cotação atual. A Grã-Bretanha acabou oficialmente com a escravidão em 1833. Os seus escravos das Caraíbas foram libertados por um preço: teriam que trabalhar 45 horas por semana por mais quatro a seis anos para os seus ex-senhores, como 'aprendizes' sem remuneração. Mesmo depois de a Grã-Bretanha ter abandonado o tráfico de escravos no Atlântico e abolido a escravatura nas suas colónias, continuou a beneficiar do trabalho escravo. "Em 1860", escreve Blackburn, "seis milhões de escravos trabalhavam em campos da América do Sul, Cuba e Brasil, produzindo grandes quantidades de algodão, açúcar e café. Os milhares de milhões de horas de trabalho escravo ajudaram a sustentar a ascensão global da Grã-Bretanha vitoriana... A Grã-Bretanha levou um grande avanço na época da Revolução Industrial, e ainda hoje os britânicos desfrutam dessa prosperidade. Entretanto, no Congo, o rei da Bélgica, Leopoldo, foi à procura de borracha e marfim e acabou matando dez milhões de pessoas. Crianças congolesas cujos pais não podiam cumprir com a sua cota de borracha para seus senhores belgas eram presas e as suas mãos e pés cortados à frente dos pais. Em cinquenta anos de governo belga, dos anos 1870s aos 1920s, a população do Congo caiu para metade.» Suketu Mehta, This land is our land – an immigrant’s manifesto – Penguin 2019
  • «(…) A propósito da célebre Cimeira das Lajes, que deu luz verde à segunda guerra do Iraque, e que deve ficar a constar dos anais como um dos episódios mais vergonhosos da nossa diplomacia, veio agora Durão Barroso, ressalvando que “não gosta de julgamentos retroactivos”, reconhecer que se fosse hoje, com o que se sabe, “provavelmente, teria feito diferente”. Mente: o que se sabe hoje já se sabia na altura. Ou, pelo menos, o que Durão Barroso garantiu na altura que sabia — que tinha visto com os seus olhos as “provas” da existência de armas de destruição maciça no Iraque — era mentira. Não havia provas algumas, porque não havia armas. No Conselho de Segurança da ONU, o MNE francês, Dominique de Villepin, desfez na cara do secretário de Estado, Colin Powell, as supostas provas, em termos que se tornaram humilhantes para os americanos e evidentes para quem quer que não fosse idiota ou desonesto. E, no terreno, a Agência de Energia Atómica, por mais que procurasse, não encontrava quaisquer vestígios do tal armamento nuclear que Washington e Barroso garantiam existir. Foi então, exactamente porque se estava a tornar óbvio para todos que não tinha provas, que George W. Bush tomou a decisão de invadir. Ou, citando as inesquecíveis palavras do ex-director do Expresso, José António Saraiva, porque só invadindo é que se podia saber se havia ou não armas. Sem provas que não umas ridículas montagens fotográficas, com a oposição do Conselho de Segurança e da maioria dos seus aliados, restava a Bush o apoio dos Governos de Aznar e de Tony Blair. Mas chamá-los a Washington para decidir a guerra numa cimeira a três pareceria às divididas opiniões públicas de Espanha e Inglaterra um acto de vassalagem, e pior ainda se fosse em Espanha ou no Reino Unido. E foi então que Barroso cheirou a oportunidade e ofereceu o apoio de Portugal e a Base das Lajes, com a justificação simplista de que “não podíamos ficar neutros” quando o nosso “aliado” resolvia invadir um país só para satisfazer o desejo pavloviano de glória militar do seu Presidente. É claro que Bush teria invadido o Iraque com ou sem a Cimeira das Lajes, pois tinha isso decidido desde o primeiro dia em que tomou posse. Portugal é que não precisava de ficar ligado a esse triste episódio de uma mentira orquestrada que conduziu a uma guerra que custou directamente 100 mil mortos, fora os que resultaram e ainda resultam indirectamente do terrorismo do Daesh, nascido dessa invasão. (…) As Lajes, o silêncio sobre o massacre de Luanda, a diplomacia conivente com a Indonésia são três episódios da nossa política externa de que devemos ter sincera vergonha. E todos eles tiveram a assinatura de Durão Barroso e de todos escapou incólume ou melhor ainda. (…)» Miguel Sousa Tavares, in Vaidade e leviandade - Expresso, 20jun2020.
  • Philipp Amthor, a estrela em ascensão meteórica no partido da chanceler Angela Merkel, está a ser criticado por fazer lóbi a favor de uma empresa americana. Entre outras habilidades, omitiu ao fisco ter recebido cerca de 3 mil ações da AI. DW.

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