Bico calado
- «(…) É evidente que o limite da capacidade do planeta em que vivemos é a natureza. Podemos agir sobre ela em muitos domínios e até certo ponto: podemos descobrir antibióticos até que o nosso organismo já não reaja a eles; podemos produzir alimentos transgénicos até que eles já não consigam alimentar mais gente do que aquela que matam; podemos ter 12 milhões de pessoas a voar todos os dias nos céus do mundo até que já não consigamos respirar; podemos produzir carne e soja para alimentar 1400 milhões de chineses e 140 chefes Michelin com os seus bifes Angus, em troca de milhões de hectares da Amazónia a arder todos os anos e a aquecer mais o planeta; e podemos plantar milhares ou milhões de hectares de eucaliptos, que crescem rápido e dão dinheiro rápido a ganhar em terras que nos dizem que, de outra forma, não valem nada, mas depois temos um mês de incêndios descontrolados na Grécia ou em Portugal ou seis meses na Austrália. Mas quando chegamos ao limite — ao limite da cobiça, ao limite da irresponsabilidade, ao limite da loucura — a natureza revolta-se. Depois, podemos dizer que foi um pangolim cruzado com um morcego, algures num mercado chinês — um azar que ninguém, nenhum epidemiologista, nenhum sociólogo, nenhum economista, podia prever, nos seus mais negros modelos de estudo. Mas não foi um azar: foi um aviso da natureza. Os tempos requeriam grandes líderes. Não líderes locais, nacionais, pequeninos. Mas líderes mundiais, visionários, pelo menos mais fortes do que um morcego e um pangolim. Mas o que temos hoje são apenas duas espécies de líderes à frente das nações que têm armas, poder e dinheiro: os inteligentes e os idiotas. Desgraçadamente, porém, os inteligentes são cínicos e os idiotas são, por natureza, perigosos. (…)» Miguel Sousa Tavares, in Covid-19/março-2020 – Expresso 21mar2020.
- «O fornecedor de Sintra admite que só vende as máscaras cirúrgicas que tem armazenadas a quem tem mais dinheiro para pagar. "Os meus pregos são especulativos, não vou esconder. São pacotes de 12 unidades e cada uma custa 8,75 euros." Antes do surto, vendia-as por 65 céntimos. "Não há material em lado nenhum. É um milagre conseguir encontrar. O telefone não pára de tocar e há quem me ofereça 12 euros por máscara. Estou de consciência tranquila.” (…) Aos clientes impõe duas condições: nada de faturas e receber sempre em dinheiro. "Isto é pela porta, por fora. O comprador tem de levar o dinheiro." Revela ainda que se não tivesse intermediários estaria hoje "milionário" com o negócio. "O material passa por quatro ou cinco mãos até chegar a mim. Tem tudo estado a ser especulado, especulado...", enfatiza. Aos interessados dá as indicações por telefone sobre como o encontrarem. Mas só vale a pena ir ter com ele para comprar o material de proteção com dinheiro na mão". Expresso, 21mar2020.
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