sábado, 29 de fevereiro de 2020

Bico calado

  • No país mais rico e mais forte do mundo há gente que, com dois empregos, não consegue ter dinheiro para pagar renda de casa e, por isso, dorme na rua. Acontece em Phoenix e em Los Angeles, onde o número de sem abrigo aumentou 12% nos últimos 5 anos.
  • Colonos israelitas destruíram campos de trigo palestinianos com produtos químicos venenosos perto da vila de al-Sakout, no norte do vale do Jordão. PalInfo.
  • Finalmente, as Nações Unidas publicaram seu banco de dados (A/HRC/43/71) listando empresas que lucram com a brutal ocupação militar de Israel na Cisjordânia. Isto só foi conseguido após anos de atrasos inexplicáveis.
  • «(…) Os líderes do meu país natal e o país de minha cidadania (os EUA) parecem ter isso em comum: disseram e fizeram coisas horrorosas em relação aos muçulmanos. Tomei consciência disso quando, em 2015, Trump tuitou mentiras sobre muçulmanos que teriam aplaudido a queda das Torres Gémeas. Fiquei esclarecido quando, como presidente, vi ele replicar textos no Twitter de um grupo britânico de ódio de extrema direita, retuitando três vídeos inflamatórios (e falsos) intitulados “Máfia islâmica empurra adolescente do telhado e espancá-o até a morte”; “Migrantes muçulmanos espancam menino holandês de muletas”; e "muçulmano destrói uma estátua da Virgem Maria". Em 2002, Ahmedabad foi palco de pogroms anti-muçulmanos nos quais cerca de duas mil pessoas foram assassinadas. As crianças viram os seus pais pegando fogo e as suas mães violadas. Modi, que era ministro-chefe do estado na época, conteve as forças de segurança que poderiam ter acabado com os tumultos, e membros do seu governo participaram ativamente nos assassinatos. Isso fez-me ter vergonha de ser gujarati. Assim que assumiu o cargo, Trump proibiu cidadãos de vários países muçulmanos de entrar nos EUA. O governo de Modi aprovou recentemente uma lei que concede cidadania rápida a refugiados de países vizinhos que pertencem a qualquer religião importante - exceto o Islão. Foi a primeira vez na história da Índia independente que uma religião foi especificamente alvo de um ato do Parlamento. (…) Essa medida foi supervisionada por outro gujarati chamado Amit Shah, ministro do Interior de Modi, que se referiu aos migrantes do Bangladesh como "térmitas". (...) Há uma luta de família entre os Gujaratis. A maioria dos meus familiares adora Modi e acha que ele restaurou o orgulho hindu e gujarati após séculos de domínio muçulmano. Mas muitos filhos de imigrantes de Gujarati nos EUA e no Reino Unido não querem nada com essa política de ódio. Eles identificam-se como sul-asiáticos, ou desi, em vez de indianos. Eles não percebem como os seus pais podem estar contra Donald Trump - 87% dos índo-americanos votaram nos democratas nas eleições de 2016 - e também apoiam Modi. Eles não entendem como podemos exigir tolerância para os imigrantes indianos no estrangeiro enquanto somos intolerantes para com os imigrantes do Bangladesh em casa. A Índia fez o que Trump sonha: construiu um muro de 4.000 Km na fronteira com o Bangladesh, para impedir a entrada de imigrantes. Em homenagem à visita do presidente americano, o governo de Gujarat construiu à pressa um novo muro ao longo do percurso da parada de Trump, para proteger os seus olhos sensíveis do bairro de lata do outro lado. Ele seguirá diretamente do aeroporto para um comício no maior estádio de críquete do mundo, depois para uma rápida visita ao túmulo de de Mahatma Gandhi, regressando depois ao aeroporto. O governo indiano gasta 12 milhões de dólares nas três horas da visita de Trump. (…) Trump também vai à Índia para discutir com o governo o comércio; ele impôs tarifas punitivas sobre produtos indianos. Os Gujaratis são famosos pela sua perspicácia nos negócios, mas Modi falhou no primeiro dever de um empresário de Gujarati: fazer lucro. A Índia regista agora o crescimento mais lento de todas as economias emergentes, com 4,8% e em queda, e a taxa de desemprego é a mais alta em 45 anos. Modi prometeu construir milhões de casas de  banho, mas é a economia que ele está arrastando para a fossa. Para desviar a atenção dos seus fracassos, o governo incentiva os seus cidadãos a concentrarem-se no Paquistão, odiando muçulmanos, mantendo afastada uma horda imaginária do Bangladesh. É a política da distração de massas. Trump faz isso com os mexicanos; os adeptos do Brexit fazem isso com os europeus orientais; Modi e Shah fazem isso com os do Bangladesh. (…)  Quer os indianos gostem ou não, muita gente coloca a Índia na mesma liga que outros regimes corruptos e repressivos como o Brasil - cujo presidente, Jair Bolsonaro, foi o principal convidado no desfile do Dia da República da Índia - e a Turquia. A Índia perdeu o seu bom nome como democracia liberal. Isso vai custar dinheiro ao país. (...) Os indianos não podem dar-se ao luxo de não trabalharem juntos ou de lutarem entre si. Porque as próximas décadas vão ser exigentes, quiçá apocalípticas. Pensemos apenas na água. Até 2030, estima-se que 40% dos indianos não terão água potável e a procura de água será o dobro da oferta disponível. Vi isso sempre que ia a Gujarat em criança. A minha tia-avó falava dos cinco rios que corriam onde ela vivia em Gujarat. Estão agora todos secos, ou são uns fiozinhos de água nas monções. Chamam-lhe Dhoodiyu desh, "o país do pó". Temos que combater todos estes problemas juntos, hindus, muçulmanos e todas as outras religiões. Unidos, sobrevivemos; divididos, morremos à sede. (…)» Suketu Mehta, in 'We Are Kinder Than Them.' Trump and Modi Don't Reflect the Spirit of Gujarat - Time 23fev2010. [Trump visitou a Índia em 24 e 25 de fevereiro; durante a sua estadia ocorreram violentos confrontos entre Hindus e Muçulmanos que provocaram muitas mortes]

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