Bico calado
- «Finalmente, a terceira consequência deste frenesim carnavalesco de Neto de Moura é que no imediato favoreceu quem queria prejudicar. Imagino que as manifestações e a greve deste 8 de março ganhem uma dimensão distinta por se tornarem a voz das vítimas e que registarão o impulso dado pelo juiz, que mostrou que havia razões profundíssimas para a sua indignação e até para a vontade de protegerem o direito de opinião. Também um dia saberemos se começa aqui uma carreira política: na Andaluzia, foi por ofensas menos graves que começou o percurso do chefe local do Voxx, um juiz que fora suspenso pelo seu preconceito contra os direitos maternais e depois se dedicou à extrema-direita. Haverá quem se lembre disso.» Francisco Louçã, in Neto de Moura: vantagens e desvantagens de perder a vergonha – Expresso 4mar2019.
- «Corria 2003 (…) Colin Powell foi à ONU mostrar as provas, Tony Blair garantiu que as tinha visto. (…) Sabemos o que aconteceu depois. O ISIS nasceu do caos do Iraque, a Síria foi devastada, centenas de milhares de refugiados chegaram à costa europeia do Mediterrâneo, aumentaram os atentados terroristas, a extrema-direita ganhou argumentos no Ocidente. O mais grave não foi a mentira, foi tantos terem decidido ignorar a evidência: que a única motivação dos EUA estava debaixo do solo iraquiano. Das sucessivas intervenções norte-americanas no exterior, poucas terão sido motivadas pela defesa da democracia. Na América Latina, nenhuma. Do Chile de Allende às Honduras de Zelaya, Presidente democraticamente eleito e deposto há 10 anos por um golpe militar apoiado pela Casa Branca, passando pelo apoio a dezenas de ditadores amigos, a motivação nunca foi a defesa de valores democráticos. Nem a resolução de dramas humanitários como os que, nas Honduras, levaram a que de lá partisse a caravana de imigrantes que esbarrou com o muro entre os EUA e México. Sejam democratas ou ditadores, o que interessa é a sua lealdade e obediência. Se são, como Roosevelt terá dito sobre Somoza ou Trujillo, os seus “filhos da puta”. Nada mudou com Donald Trump. Como no passado, a “ajuda humanitária” à Venezuela é apenas uma arma política. (…) os que usam a fome dos venezuelanos para o seu cinismo “humanitário” são mais ou menos os mesmos que prometiam espalhar a democracia pelo Iraque e seus vizinhos. (…)» Daniel Oliveira, in De Bagdade a Caracas – Expresso 2mar2019
- « O senhor era médico em Braga. Trabalhava no hospital local e trabalhava também no privado: é legal e acontece com muitos. O problema está a montante: o Estado devia pagar o suficiente para poder exigir dedicação plena. Mas, enquanto assim não for, o Estado tem o correspondente ao que paga. Todavia, há regras: aquele senhor doutor meteu baixa no hospital público, ao mesmo tempo que continuou a trabalhar no privado. Ou seja, não estava doente: aldrabou, recebeu indevidamente, aproveitou-se de outra mentira de um colega que é uma verdadeira praga no trabalho público — os falsos atestados médicos. Foi apanhado e instauraram-lhe um processo disciplinar. Como também muitas vezes acontece, o instrutor foi misericordioso: propôs o arquivamento do processo. Decerto terá ponderado o habitual: que o senhor doutor era boa pessoa, que fazia falta ao hospital e que o prejuízo causado, enfim, era uma gota de água, na riqueza do Estado Português. Mas eis que, contrariando o habitual, a administração do hospital não foi na conversa do instrutor e resolveu demitir o médico. Só que… só que, ah, regressa o habitual: a máquina burocrática, desleixada ou, quem sabe, “desmotivada”, deixou ultrapassar num dia — num dia apenas — o prazo para comunicar ao falso doente médico a sua demissão. E o dito, sentindo-se assim injustiçado, foi para os tribunais. Os quais, como é habitual, demoraram oito anos — oito — a resolver o caso. A favor, claro, do injustiçado médico: “dura lex, sed lex”. O doutor está já de regresso ao serviço, mas entretanto fez as contas ao que nós, contribuintes, lhe ficámos a dever devido à sua falsa baixa e ao atraso de um dia que um funcionário demorou a notificá-lo do seu castigo: então, entre salários não recebidos, promoções que não teve, prémios que teria tido, são três — três milhões — que teremos de lhe pagar. Três milhões de euros é o que nos vão custar as férias do senhor doutor. Dir-me-ão: e a vergonha que ele vai ter de passar? Enfrentar a família, os amigos, os colegas? Oh, meus amigos, não se preocupem. Ele dirá que a culpa não é dele, é do sistema. O sistema estava ali e ele limitou-se a aproveitar. E não tenham dúvidas de que, de alto a baixo do sistema, há muitos mais como o doutor Três Milhões.» Miguel Sousa Tavares, in Um país, dois sistemas – Expresso 2mar2019.
- O Senado norte-americano aprovou Andrew Wheeler como diretor da Agência de Proteção Ambienta. EcoWatch. Que rica raposa no galinaheiro. Era lobista do carvão…
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