«(…) E hoje há debates apaixonados e intermináveis sobre aquilo a que já se chama a “morte” da democracia tal como a conhecemos. Uns dizem que são os próprios pilares do sistema democrático que devem ser questionados. Outros defendem que se trata apenas de repensar um formato que se deixou envelhecer. Talvez o mais importante, para nós, seja pensar numa das mais óbvias lições desta crise: é que ela acontece porque os políticos se deixaram embrulhar num estereótipo que os classifica como corruptos, venais e incapazes. Esta generalização é grave não tanto porque não seja inteiramente verdade mas sobretudo porque, ao desclassificar os políticos, se desclassificou a própria política. E a política é o nosso modo de fazermos juntos a sociedade onde vivemos juntos. Ao lançar ao lixo a “política” acabou por se espalhar a ideia que ela é, por essência, uma coisa suja. E assim se convida os cidadãos a abandonar a cidadania, se encorajam as pessoas a entregar aos “políticos” que restam a gestão do nosso bem comum. Esta desmoralização da política é apenas a ponta de um novelo que é espesso. Precisamos urgentemente de salvar a política. Precisamos de consolidar o direito de participar. Precisamos de políticos de mãos limpas que moralizem a gestão dos governos e o controle dos interesses públicos. E precisamos de enfrentar o debate sobre a crise da representatividade partidária nas condições concretas de Moçambique. Se não o fizermos seremos, uma vez mais, acordados quando o leão já estiver dentro de casa.» Mia Couto, in Carta de Moçambique.
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