domingo, 25 de novembro de 2018

Reflexão – Por que motivo o eucalipto merece um manifesto com publicidade paga?

  • «(…) Também fiquei espantado com o conceito de biodiversidade, quando nos querem convencer que os eucaliptais têm muita biodiversidade. Toda a gente sabe que a biodiversidade desses ecossistemas antrópicos é baixíssima e até muitíssimo mais baixa do que a de um baldio. Não é preciso ser-se cientista para alguém se capacitar disso. Por exemplo, não vejo rebanhos de ovelhas a pastarem em eucaliptais, mas vejo-as nos baldios. Outra atitude indecorosa é quererem convencer toda a gente que os eucaliptais não são tão inflamáveis como os ditos matos. Sou biólogo e botânico, por isso, durante os estudos universitários tive várias disciplinas de Zoologia, Botânica e Química. (…) sei química suficiente para saber que as essências elaboradas pelos eucaliptos são muito voláteis e altamente inflamáveis. Por favor, não considerem que as pessoas não são minimamente instruídas ou que são estúpidas. Claro, que a retórica economicista é própria da sociedade de mercado em que estamos inseridos. Mas, como as pessoas não comem eucaliptos, eu preferia que o meu país produzisse alimentação suficiente, até para exportar (para a "tecla" das divisas), do que tenha de importar, como estamos a fazer. Os países árabes são, actualmente, muito ricos, mas não estão a preparar os respectivos países para o futuro, pois importam praticamente toda a alimentação. Um dia poderão ter muito dinheiro, mas se não tiverem ninguém que lhes venda a comida, morrerão à fome de nada lhes valendo a riqueza. Se Portugal investisse na produção alimentar, estava a preparar melhor o país para o futuro, poderia exportar, não tinha o país tão poluído, não teríamos incêndios tão devastadores e mortíferos, assim como não estaríamos a transformar as nossas montanhas em desertos de pedra. Claro que no texto do dito anúncio pró-eucalipto, não se refere a tremenda poluição das águas do Tejo, nem o cheiro nauseabundo das regiões da Leirosa, Cacia e Setúbal. Nem sequer querem ver que estão a poluir a "gaiola" (Globo Terrestre) onde eles próprios vivem. Aliás, muitos deles sabem disso, mas são tão egoístas que preferem deixar que o problema seja resolvido pelas gerações vindouras, porque, por agora, conseguem ainda viver, com abundância e fausto, apesar do grau de poluição que o Globo já apresenta. (…).» Jorge Paiva, in Notas sobre a publicidade do eucalipto - DN 23nov2018.
  • «(…) A questão principal é que até hoje os sectores ligados à produção de pasta de papel, que vivem da gigantesca área de eucalipto que existe em Portugal (consumindo árvores quer das áreas geridas, quer das áreas não geridas), nunca tinham sentido qualquer necessidade de defender o seu catastrófico modelo de negócio. Catastrófico para o conjunto da sociedade, note-se bem, e não para os próprios, obviamente. Os argumentos invocados no manifesto, (…) não apresentam qualquer novidade no debate público (…) O manifesto depois cita três frases do relatório da Comissão Técnica Independente dos incêndios de Pedrógão Grande e Góis, relativas à importância ou não do eucalipto na maior propagação e o seu controlo na redução dos incêndios. As frases escolhidas para o manifesto são pouco conclusivas, e outras poderiam ter sido usadas dos relatórios, como por exemplo (…) A escolha criteriosa de frases que confirmam a tese do lobby da celulose, aos invés de outras, coincide com o facto de apenas um membro da Comissão Técnica Independente ter assinado o manifesto. Este manifesto caricatura o debate que começou há décadas na sociedade portuguesa, mas que se acentuou com o agravamento dos incêndios florestais. Esse debate tem-se feito à volta do combate e prevenção dos incêndios rurais e florestais, da gestão, do abandono, das alterações climáticas. O que o lobby da celulose deixa claro é que não aceita que - no meio de todas estas questões - o eucalipto possa sequer ser abordado. E por isso invoca uma “perseguição” ao eucalipto, que não existe. O manifesto diz-nos que é totalmente inadmissível que se possa discutir o impacto de ter uma espécie exótica, sem qualquer selecção que evite a sua combustão rápida, a ocupar 10% do território nacional num país altamente atreito a incêndios florestais (tal como os seus vizinhos mediterrânicos). Existe um binómio entre o eucalipto e o abandono. Quanto mais eucalipto, mais abandono e quanto mais abandono, mais eucalipto. Não se pode imputar o êxodo rural ao eucalipto, mas invocar o rendimento do eucalipto como factor fixador de populações - como é feito no manifesto - é negar duas realidades medidas: o rendimento florestal é cada vez menor e a população rural também. O eucalipto não fixa populações, beneficia-se da sua ausência e, fruto da pouca necessidade de mão-de-obra envolvida na sua produção, o eucalipto é beneficiado pela falta de pessoas no meio rural. Não precisa de gente e aparenta criar rendimento, como cultura de abandono. Mas isto exclui todos os riscos da gestão de abandono - o mais visível dos quais o risco de incêndio. Mais do que a árvore “eucalipto”, o que o lobby das celuloses defende é o modelo de negócio associado ao mesmo: ter à disposição, com baixíssimos encargos, quase um milhão de hectares de um país perto do centro da Europa, aproveitando-se de uma situação de propriedades atomizadas e abandono do meio rural (para o qual contribui), e não responder por qualquer risco associado a esta cultura de abandono. (…) O impacto de extensas áreas de monocultura - geridas e não-geridas - é ainda um factor para degradação da água, dos solos, dos nutrientes e da biodiversidade. A cultura do eucalipto, mas principalmente o modelo de negócio associado à mesma, são um dos maiores promotores da desertificação e do despovoamento de Portugal.(…)» João Camargo, in Manifesto milionário pelo pobre eucalipto - Expresso 19nov2018.

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