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terça-feira, 19 de junho de 2018

Bico calado

Foto: Roberto Moccini Formiga/The Nature Conservancy
  • «(…) Mas não ficaram sós, os italianos. Em seu apoio e aplauso vieram as sombras negras que pairam sobre a Europa nos dias que correm. Os polacos, esse país tantas vezes invadido, pelo Ocidente e pelo Leste, pelo Norte e pelo Sul, e por todos odiado, mas protegido pelos franceses — talvez porque Napoleão se tenha apaixonado por uma rapariga polaca encontrada na estrada a caminho de Moscovo ou porque Frederic Chopin, a única grandiosa contribuição da Polónia para a história da Humanidade, esteja intimamente ligado a França. E a Eslováquia e a República Checa, herdeiras do Império Austro-Húngaro e tal como a Polónia, das primeiras vítimas de Hitler e de Estaline, mas a quem a longa privação da liberdade não ensinou nada de definitivo. Ou a minúscula Eslovénia, com dois milhões de habitantes, um crescimento de 5% ao ano e apenas 200 emigrantes recenseados, que acaba de eleger um governo com um programa anti-emigrantes. Ou o bávaro Horst Seehofer, da CSU, os aliados da CDU de Merkel, que contestam a sua política de acolhimento de emigrantes, agora praticamente extinta, e o jovem chanceler austríaco, Sebastian Kurtz, o outro berço do nazismo, e, tal como Salvini, grande admirador de Donald Trump, xenófobo, racista e nacionalista de extrema-direita. Ou essa besta do húngaro Viktor Orbán, um fascista sem disfarce, representando a primeira nação a revoltar-se contra a ocupação soviética em 56, e que agora construiu um novo muro de Berlim contra os emigrantes e instituiu sem disfarce uma ditadura contra tudo o que reza a carta dos direitos europeus. Todos eles representam países-membros da UE, todos eles, não apenas se recusam a adoptar qualquer política solidária em matéria de absorção de emigrantes vindos de África, como ainda irão, na cimeira europeia de 28 e 29 deste mês, impor à UE a sua visão da Fortaleza Europa. Mas se a Europa se fundou justamente na ideia da dignidade da pessoa humana, o que resta da Europa quando os povos europeus escolhem livremente líderes para quem essa dignidade não significa nada?(…) Miguel Sousa Tavares, in Sob a condição humana – Expresso 16jun2018 – via A estátua de sal.
Imagem colhida aqui.
  • «Os imigrantes ou são heróis como Mamoudou Gassana, que salvou uma criança de cair da varanda de um quarto andar de Paris e que a França regularizou num ápice, ou, então, não são nada. Os imigrantes ou são ricos e têm visto gold ou são considerados indocumentados, ilegais, sem direitos (como na abjecta separação entre menores e adultos na fronteira dos EUA com o México). Num país presidido pelo neto de um imigrante — ele próprio casado com uma imigrante —, crianças são colocadas em gaiolas pelo simples crime de acompanharem adultosna ânsia de uma vida melhor, com a intenção de assim castigar quem o fez e de dissuadir quem o queira vir a fazer.  (…) Amílcar Correia, in O eixo do malPúblico 19jun2018.
  • «(…) Tempos houve em que era possível mentir e dizer que os vistos gold iriam criar emprego. Hoje sabemos que, dos 5876 vistos atribuídos, só nove foram pela criação de postos de trabalho e que 95% se deveram à compra de imóveis. Mais, sabemos que, como o limite mínimo para atribuição do visto dourado é meio milhão de euros, muitas agências inflacionaram os preços das casas de luxo, compradas à distância por magnatas chineses, brasileiros, russos ou angolanos. Sabemos que este movimento é parte da espiral especulativa em curso nos mercados imobiliários de Lisboa e Porto. Em suma, sabemos que os vistos gold não atraíram investimento produtivo, não criaram emprego, não acrescentaram nada ao país a não ser um mercado de luxo que está a contribuir para deixar milhares de pessoas sem casa que possam pagar. Mas o problema não está apenas naquilo para que os vistos gold não servem. O problema está no verdadeiro propósito deste regime, que é vender a cidadania europeia a milionários. Um regime que trafica cidadanias é uma porta aberta para corruptos e criminosos à procura de forma de branquear o seu dinheiro. Procurados pela Interpol, magnatas envolvidos na Lava Jato e oligarquia angolana, os vistos gold servem a todos e não são seletivos. Além disso, tal como alerta o Consórcio Global Anticorrupção, o julgamento de 11 dirigentes da administração pública (incluindo o ex-ministro do PSD Miguel Macedo) por tráfico de influências associado à atribuição de vistos gold, mostra como estes regimes podem corromper governos.(…)» Mariana Mortágua, in Ó Evaristo, tens cá Visto? JN 19jun2018.
  • «(…) Os EUA são um paraíso fiscal desde o início dos anos 1920s, quando pela primeira vez se introduziram os impostos zero sobre os rendimentos de juros obtidos por estrangeiros não residentes. (…)» Vale bem a pena ler este artigo de James S Henry, intitulado The World’s Largest Tax Haven? Guess Who, na revista The American Interest. Provavelmente o melhor texto que li até agora sobre este tem.

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