segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Reflexão: «No Ródão, a ignorância sobre o nuclear é uma bênção»

Imagem captada aqui.

No Ródão, a ignorância sobre o nuclear é uma bênção, 
in Público 22jan2017 (apontamentos)

“Almaraz? E o que é que isso interessa à gente?!”, admira-se o Ti João, encostado ao muro branco do edifício da GNR.
Em 1986, o então secretário de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta, equacionou suspender o fornecimento de água à Grande Lisboa porque tinha havido uma contaminação radioactiva das águas do rio que Espanha silenciara.
A questão é que para os habitantes de Vila Velha do Ródão a radioactividade não se vê nem se sente. A poluição causada pelas fábricas de celulose sim. E os cheiros também. “De Almaraz ouve-se falar de vez em quando na televisão. Mas não se vê nem se sente nada. Então as pessoas não se preocupam. Não é uma coisa de que nos lembremos”, resume Ana Almeida, sentada numa das cadeiras do centro de saúde.

No centro de saúde de vila ninguém se dispõe a explicar se existem reservas de iodo. Na escola nunca ouviram falar disso. Nem os riscos do nuclear costumam entrar nas salas de aula onde se sentam cerca de 200 alunos, do pré- escolar ao 9.º ano.
— Não digo que o nuclear seja tabu, mas é algo que é como se não nos tocasse a nós. Passamos anos e anos sem ouvir falar de Almaraz, quando aquilo já tem 30 anos. E, de facto, a central parece que fi ca longe mas, se pensarmos bem, é um longe aqui tão perto — refl ecte o professor, para explicar que, mesmo quando os acidentes nucleares de Fukushima (2011) ou Chernobyl (1986) entram na conversa professor-alunos a pretexto da matéria de Geografi a e de Ciências, poucos ou nenhuns estabelecerão uma conexão com os riscos de Almaraz. “Amanhã vou levar esta questão ao conselho pedagógico, para começarmos a tratar na Educação para a Cidadania esta questão do nuclear e dos seus riscos e até a pertinência do nuclear face a outras fontes de energia”.

Mas, nas paredes do posto local da GNR, os únicos alertas que se vêem são sobre as queimadas e a violência contra idosos. No centro de saúde, o alerta mais visível é o relativo aos cuidados a ter durante as ondas de calor. Perscruta-se melhor os placards e balcão e descortina-se novo aviso, mas sobre a importância da vacinação contra a gripe. Sobre o risco nuclear nem uma linha. Questionada sobre isto, a GNR local remete para o comando distrital de Castelo Branco, que remete para o Comando Distrital de Operações de Socorro que remete para a ANPC, cujo comandante nacional operacional, Rui Esteves, remete, no que toca à sensibilização da população, para a autarquia local. Aqui, no edifício branco a mirar para as chaminés das fábricas de celulose, o presidente não está disponível para falar. Nem presencialmente nem mais tarde ao telefone, apesar das insistentes tentativas do PÚBLICO.

Os resíduos produzidos por uma central nuclear durante um ano inteiro podem ser arrumados debaixo de uma secretária, afirmou Ronald Reagan, (1911-2004), Presidente dos Estados Unidos.

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