domingo, 6 de novembro de 2016

Bico calado

Imagem captada aqui.
  • "Esboroa-se deste modo a tentativa de manter o privilégio do silêncio. Ele baseava-se num extremismo social, a profunda convicção de que há uma elite que pode encomendar leis para si própria como fatos à medida, que pode fixar os seus benefícios acima de qualquer escrutínio e que, quando incomodada pela populaça que acha tudo isto estranho, pode simplesmente alegar ter um direito divino ao privilégio. Esta é a história de Portugal, entendamo-nos. É o que levou Alfredo da Silva ao gabinete do ministro das finanças para salvar o seu banco na crise de 1929, o que levou Champalimaud a exigir que o Estado lhe pagasse a Siderurgia, o que permitiu as privatizações clientelares, o que alimentou o poder do BES, o que organiza a porta giratória entre os governos e a finança ou leva Durão Barroso para a Goldman Sachs e muitas outras desventuras ilustres." Francisco Louçã in Populista, disse mesmo populista? - Público 4nov2016.
  • "Em tempos, Passos Coelho recusou fazer o que chamou de 'um striptease fiscal'. Agora, o presidente da Caixa quer mais de trinta mil euros por mês no decote mas recusa mostrar a coxa. É uma birra injustificável. Começo a desconfiar que o António Domingues tem o Piloto escondido na declaração de rendimentos. Na verdade, se 'tirarmos a pinta' a este novo presidente da Caixa, vemos que tem todo o ar e postura de tubarão banqueiro do privado. É como se a Caixa tivesse ido contratar um pistoleiro para atacar o mercado. Um tipo com sangue frio suficiente para exigir estatuto de privado para trabalhar no público. Parece que a Caixa quer ser mais como os outros bancos, depois de ter andado os últimos anos a salvar esses bancos. António Domingues entra em cena como um elefante numa loja de porcelanas, o que deve dar muito jeito a quem está desejoso de vender a Caixa aos chineses. Nos últimos dias, depois de todas estas notícias, apareceram, imediatamente, os defensores da privatização da Caixa. Henrique Monteiro, no Expresso, veio logo a cavalo, dizer: 'A Caixa devia ser privatizada por uma questão de higiene pública'. Claro, Henrique… Quanto mais não seja, porque os privados a gerir bancos têm sido uma limpeza no bolso do contribuinte." João Quadros in Uma diva na Caixa - JNegócios 4nov2016.
  • "Olho para uma fotografia de Donald Trump em campanha, tirada dias atrás: está de boné de basebol branco, onde está escrito o seu slogan de campanha: 'Make America great again'. Por baixo do boné espreitam os seus olhinhos semicerrados, num esgar de ódio, desprezo, arrogância e orgulhosa ignorância: a sua imagem de marca. A boca, também pequena, está arredondada num círculo do qual se adivinha saírem as suas habituais frases de uma total imbecilidade e irresponsabilidade. O conjunto forma o retrato de um focinho de porco, rematado por um cabelo de porco-espinho oxigenado e uma gravata encarnada berrante, daquelas de laço já feito. Podia ser um vendedor de pentes de alguma aldeia do Uzbequistão, um agente imobiliário encarregado de vender os raros apartamentos que ainda restam de pé na cidade de Mossul, ocupada pelo Daesh e atacada por comandos de elite curdos, iraquianos e americanos. Mas não: é o candidato pelos republicanos a Presidente dos Estados Unidos e, segundo as últimas sondagens, uma ameaça real para a América e para o mundo. " Miguel Sousa Tavares in A loucura dos povos - Expresso 5nov2016, via Estátua de sal.
  • "Há dez anos, perdoem-me a imodéstia, escrevi ou disse algures que as redes sociais eram uma ameaça mais grave para a civilização que conhecíamos do que o fundamentalismo islâmico. Fui gozado por toda a gente, tratado como um auto-excluído da modernidade. Mas dez anos depois, dou comigo a rir-me quando vejo alguns dos grandes arautos dessa modernidade queixarem-se agora de serem vítimas indefesas do primarismo intelectual e moral das redes sociais. Ou da opinião colectiva que se forma nas redes sociais, sem escrutínio de facto ou de verdade. Rio-me, mas não deixo de me assustar cada vez mais. A falsa democracia em rede e instantânea transformou aquilo que é essencial a uma verdadeira democracia — a capacidade, o esforço e a liberdade de decidir por si próprio — numa atitude de manada, desresponsabilizada por ter de reflectir, de se esforçar para estar informado, de pensar e decidir pela própria cabeça. Julgam que sabem, só porque têm voz activa no meio da manada e são livres de dizer a primeira coisa que lhes ocorre, de opinarem sem saber, de presumirem sem confirmar, de insultarem sem consequências, de passarem adiante o boato e a calúnia sem se deterem. Julgando saber, nunca tantos souberam tão pouco sobre tantas coisas. Julgando ser livres, nunca tantos se prestaram a ser cordeiros dóceis nas mãos de todos os manipuladores. " Miguel Sousa Tavares in A loucura dos povos - Expresso 5nov2016, via Estátua de sal.

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