sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Reflexão – A idade da ignorância

A idade da ignorância, por Charles Simic in The New York Review of Books 20mar2012.

«A ignorância generalizada roçando a idiotice é o nosso novo objetivo nacional. Não vale a pena fingir o contrário e dizer (…) que as pessoas cultas são os recursos que valem mais para a nação. São, de facto, mas será que ainda os queremos? Não me parece. O cidadão ideal de um estado politicamente corrupto (…) é um tolo ingénuo incapaz de distinguir a verdade da mentira.

Uma população culta e bem informada (…) dificilmente poderia engolir mentiras e não seria manipulada pelos interesses instalados que fazem o que querem neste país. A maioria dos nossos políticos e seus conselheiros políticos e lobistas iria para o desemprego, tal como todos esses fala-baratos que pretendem fazer-se passar por formadores de opinião. Felizmente para eles, nada de tão catastrófico, embora perfeitamente merecido e muito bem-vindo, terá alguma hipótese de acontecer dentro de pouco tempo. Para já, há muito mais dinheiro para fazer à custa dos ignorantes do que à custa dos cultos, e enganar os americanos é uma das poucas indústrias que ainda temos neste país e que estão a crescer. Uma população realmente culta seria má, tanto para os políticos como para os negócios.

Foram precisos anos de indiferença e estupidez para nos tornarmos tão ignorantes como estamos hoje. Qualquer um que tenha ensinado na faculdade nos últimos quarenta anos, como eu, pode dizer-lhe que os estudantes saem das escolas secundárias a saber cada vez menos. Já não é surpresa ver jovens estudantes sem capacidade para compreender a maior parte do material que se lhes ensina. Ensinar literatura norte-americana tornou-se cada vez mais difícil nos últimos anos, uma vez que os alunos leram pouca literatura antes de virem para a faculdade e muitas vezes não têm a informação histórica mais básica sobre o período em que o romance ou o poema foi escrito, incluindo as ideias e questões importantes que ocupavam o pensamento das pessoas daquela época.

Também se dedica muito pouca atenção à história regional. Os alunos que vêm de antigas cidades industriais da Nova Inglaterra nunca foram informados sobre as famosas greves que lá ocorreram e onde os trabalhadores foram baleados a sangue frio e os seus autores escaparam impunes. Não me surpreendeu ver que as suas escolas secundárias tinham receio de abordar o assunto. O que mais me surpreendeu foi os seus pais e avós ou vizinhos nunca lhes terem falado sobre isso enquanto eles cresciam, nunca lhes terem mencionado estes exemplos de injustiça. Ou as suas famílias nunca lhes falaram sobre o passado, ou os seus filhos não lhes prestaram atenção. (…)

Se esta falta de conhecimento é o resultado dos anos de emburrecimento do currículo do ensino secundário e de as famílias não falarem com os seus filhos sobre o passado, há, contudo, um outro tipo mais pernicioso de ignorância que enfrentamos hoje. É o produto de anos de polarização ideológica e política e do esforço deliberado por parte dos grupos mais fanáticos e intolerantes nesse conflito com o objetivo de produzir mais ignorância ao mentir 
sobre muitos aspetos da nossa história e até mesmo do nosso passado recente. Lembro-me de me ter sentido atordoado há alguns anos ao ler que a maioria dos americanos dissera, num inquérito, que Saddam Hussein estava por trás dos ataques terroristas do 11 de setembro. Pareceu-me um feito de propaganda insuperável pelos piores regimes autoritários do passado, muitos dos quais tiveram de recorrer a campos de trabalho e pelotões de fuzilamento para forçar o povo a acreditar em algumas mentiras, mas sem sucesso comparável.

Sem dúvida que a Internet e a TV por cabo permitiram que vários interesses políticos e empresariais espalhassem desinformação numa escala que não era possível antes, mas para acreditar nisso tinha exigido uma população inculta e não acostumada a verificar as coisas que lhes contam. Onde senão nos EUA um presidente que resgatou grandes bancos da falência com o dinheiro dos contribuintes e permitiu que o povo perdesse 12 triliões de dólares em investimentos, pensões e valores imobiliários fosse rotulado de socialista?

Antigamente, se alguém não sabia nada e dizia asneiras, ninguém lhe prestava atenção. Agora essas pessoas são cortejadas e lisonjeadas por políticos conservadores e ideólogos como sendo "americanos reais" que defendem o seu país contra o governo todo-poderoso e as elites liberais cultas. (…) "A estupidez é, por vezes, a maior das forças históricas", afirmou Sidney Hook. Sem dúvida. O que temos neste país é a rebelião dos espíritos incultos contra o intelecto. É por isso que eles adoram políticos que protestam contra professores que catequisam crianças contra os valores dos seus pais e se indignam contra os que mostram capacidade de pensar a sério e de forma independente. Apesar da sua pretensa valentia, pode-se sempre contar com eles para votarem contra os seus próprios interesses. É por isso que milhões estão a ser gastos para manter os meus concidadãos ignorantes.»

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