sábado, 23 de janeiro de 2016

Bico calado


«É jovem? É. É cientista? É. É mandatária nacional de Marcelo? Não. Afinal, Maria Pereira - que tem sido apresentada como mandatária nacional de Marcelo Rebelo de Sousa - não é oficialmente a mandatária nacional. O cargo é ocupado por um antigo presidente do Conselho Fiscal do Benfica, Fernando Fonseca Santos.» Rui Pedro Antunes in O estranho caso da mandatária nacional que nunca o foiDN 22jan2016.

«(…) A campanha de Marcelo foi tudo menos uma aula magistral. Marcelo usou o estilo do professor que vai para a aula contar anedotas de modo a criar empatia com o auditório dos broncos que tem pela frente, sendo a seguir escutado com menos bocejos quando enunciar um difícil conceito que de outra forma não atingiria nunca os enferrujados neurónios da plateia. Para Marcelo o país é ainda uma floresta povoada de seres inferiores e pouco dotados para as coisas do espírito, da política e da cidade. Eles não percebem as minudências constitucionais, mas percebem o taberneiro que serve copos de tinto. Eles não percebem odeficit das contas públicas, mas percebem a cabeleireira que fala dos amantes da vizinha do sétimo esquerdo. Eles não percebem o Tratado Orçamental, mas percebem o barbeiro que sabe todas as táticas futebolísticas. Eles não percebem os poderes do Presidente da República, mas percebem o taxista que conhece todas as moradas de bruxos, quiromantes e afins, porque se farta de lhes descarregar à porta clientes infelizes com a vida. Assim sendo, Marcelo fez a campanha que, lá no fundo, ele acha ser a merecida pelo país que ele julga ser ainda Portugal no dealbar do século XXI: um país inculto e bronco, sem vontade de deixar de o ser, onde habita um povo incapaz de orientar racionalmente as suas escolhas eleitorais, subjugando-as à leveza das romarias e ao sabor do bolo de bacalhau. (…) Nóvoa diz que é de esquerda, seja lá o que isso signifique nos dias de hoje, mas que todos são bem-vindos porque a todos ouvirá ainda que (…) não poderá prover a todos com igual peso. Porque estará do lado dos mais fracos contra os mais fortes. Porque estará do lado dos mais desvalidos contra os mais privilegiados em caso de irreconciliável conflito. Nóvoa acha que os portugueses são suficientemente cultos e inteligentes para perceberem esta mensagem, que a merecem, e mostra-se aberto a discuti-la com todos os quadrantes políticos, e nomeadamente com o seu adversário mais direto, já anunciado vencedor por antecipação por muitos arautos encartados. Para Nóvoa, enquanto professor, parece que os alunos não são broncos e não é preciso contar-lhes anedotas antes de se lhes expor conceitos difíceis que devem aprender e debater de seguida. (…) Ungido pelas televisões, apadrinhado pelos escribas do reino, agora quer ser entronizado pelos súbditos. Se tal suceder, provavelmente vai-nos dar catorze que é a nota que se dá a um aluno médio, mas esforçado. Se tiver que disputar uma segunda volta, ainda nos vai dar oito para irmos á oral. Mas se perder na segunda volta, acreditem que nos irá chumbar inapelavelmente, e nunca mais faremos a cadeira. Mas nesse caso, as gentes deste país, terão mostrado a Marcelo, terem muito mais inteligência e bom juízo do que ele pensava que tivessem. (…). E a lista vai longa e poderia ser continuada com mais outras tantas interrogações pertinentes.
Como vê, meu caro Marcelo, ainda há cidadãos, portugueses mas anónimos, capazes de lhe fazerem perguntas difíceis. E já que anda diariamente a rezar o terço para não ter que debater de novo com o professor Nóvoa estas e outras matérias, se quiser pode discutir comigo. Eu garanto que ainda lhe pago um fino e dois bolos de bacalhau e não chamo as televisões se você se sentir muito atrapalhado.» Estátua de Sal 23jan2016.

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