quarta-feira, 6 de maio de 2015

Bico calado

  • Dois jornalistas alemães foram detidos e interrogados pelas autoridades do Qatar, e todo o seu equipamento confiscado e destruído e o material apagado, quando procediama a filmagens para um documentário sobre o Mundial de Futebol de 2022. O documentário chama-se «The Selling of Football: Sepp Blatter and the Power of FIFA» (Vendendo Futebol: Sepp Blatter e o poder da FIFA). Este Mundial tem sido fértil em escândalos relacionados com as más condições de trabalho e alegados casos de corrupção ainda a ser investigados pelo FBI.
  • « (...) Criou-se uma nova classificação de “radicalismo”. Um bom cristão, ainda melhor burguês, fiel a Deus, protector da sua família, conservador nos costumes, firme partidário da propriedade privada, moderado nas suas opiniões, que nunca sonhou ser revolucionário na vida, se contestar esta hegemonia do pensamento “economês” e da “Europa”, passa imediatamente a ser um “radical” e é atirado para as trevas exteriores da “boa política”, onde não há direito a vida cívica a não ser em obscuros e convenientes grupúsculos. Ao demonizarem a moderação, o que estão é a atearem as chamas do verdadeiro radicalismo. Esta “Europa” vai acabar mal. Hoje em nome de um “realismo” autoritário, que é tudo menos “realismo” como a história se encarregará de mostrar em breve, soçobraram os liberais genuínos, que aceitam novas formas de autoridade imperial sem pestanejarem, que abandonam o amor pela liberdade, a favor de uma vulgata que lhes é imposta em nome da “inevitabilidade”; ficam calados e indiferentes os democratas que vêem os parlamentos para que votam serem desprovidos dos poderes fundamentais do orçamento (ou seja “taxation without representation”), os patriotas que vêem a sua comunidade nacional desprovida da possibilidade de se governar a si própria, a quem se retiram todas as dimensões da soberania, a começar pela possibilidade de definirem as suas leis, terem as suas forças armadas e defesa própria, e a sua política externa. As nações passaram a secções da União Europeia numa nova dimensão internacionalista e imperial, governada por alguns países mais poderosos, a favor estritamente dos seus interesses. (...)  Vive cada vez mais de censuras, diktats e do medo. A “Europa” é hoje o argumento definitivo e ad terrorem que se usa hoje para bloquear qualquer debate sobre políticas. A “Europa não deixa”, isso “coloca-nos fora do euro”, os custos dessa atitude são “enormes”. (...) Este tipo de argumentos é usado por todos os que se querem no “arco da governação”, que na verdade significa, estarem dentro desta “Europa” e deste euro. Fora não há governação possível como se “viu na Grécia”. Isso significa que socialistas, social-democratas, democratas cristãos ou não cristãos, direitistas liberais, partidos do centro-direita e do centro-esquerda, partidos de esquerda “europeísta”, todos dizem isto. O mesmo. (...) Foi nesta armadilha em que o PS se meteu ao aceitar o quadro do pensamento dominante (em nome seja lá do que for, da “Europa”, por exemplo) e assim colocar-se inteiramente no terreno de uma discussão pública cujos termos são os do governo e da maioria e que ela domina sempre melhor. Ao começarem a apresentação de um projecto político por aquilo que deve ser um complemento ancilar e não um ponto de partida, aceitaram o “economês” e todas as ideias simplistas sobre a sociedade, a política e a economia que lhes estão associadas. Parece quererem obter o beneplácito dos adversários, fishing for compliments e atestados de responsabilidade dados pelos mentores e apoiantes da actual maioria, que nunca deixarão de pensar que os “outros” fazem melhor. O PS “confiável” é conveniente para eles passarem o intermezzo que acham que os eleitores vão dar à maioria, para diminuir as tensões, mas depois tudo voltará ao normal, um “ajustamento” eterno, que aumenta as desigualdades sociais, fragiliza o poder do trabalho, reduz Portugal a uma versão pobre e medíocre de uma Singapura falhada. Os programas políticos agora são auditados e auditáveis. Por quem? Por técnicos que lhes vão dar notas pelo “trabalho de casa”. (...) Mas está tudo doido em democracia? (...)» José Pacheco Pereira, in Os estragos na cabeçaPúblico 2mai2015.
  • «(...) A atabalhoada tentativa – por parte de PS, PSD e CDS - de alteração da lei sobre a cobertura jornalística das campanhas eleitorais suscitou uma carta (“Pela Liberdade de informação”) subscrita pelos directores editoriais dos principais órgãos de comunicação social. A alteração legislativa era disparatada, a carta é um monumento de hipocrisia. É preciso uma alta dose de desfaçatez para esta gente, responsável por uma informação parcial, manipuladora e censória, voz do dono da classe dominante, vir assumir-se como defensora da liberdade de informar. (...) Aqui, há que fazer uma nota às condições de trabalho dos jornalistas que se degradaram e continuam a degradar brutalmente. Precariedade, despedimentos, utilização de trabalho dos estagiários gratuito ou quase, a porta da rua sempre aberta, imposição de critérios editoriais condicionados aos interesses dos patrões, os partidos dos patrões, do absolutismo do pensamento dominante, retiraram e retiram, progressivamente, a autonomia jornalística. A autonomia e liberdade editorial, tão altissonantemente proclamada na carta, é a mesma que ao longo dos anos foi utilizada e continua a ser utilizada para discriminar ostensivamente forças políticas e sociais. (...)» Manuel Augusto Araújo in A voz do dono torna obsoleto o lápis azul

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