A memória deles pode ser curta, a minha não, por Ana Gomes in Público de 23jul2014
"A Guiné Equatorial torna-se hoje membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) por aceitação unânime de todos os Estados-membros. Apesar das denúncias de detenções arbitrárias e execuções, apesar das torturas e desaparecimentos, apesar da corrupção desenfreada e desmascarada. Pergunto, hoje, no que se tornará a CPLP?
Os actuais líderes da CPLP regozijam-se com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, pelos benefícios, o investimento, a "dimensão económica estratégica" trazidos por este país de riquíssimos recursos naturais, que abre oportunidades sem par para as empresas dos restantes países. Todos ganhamos, juram eles. (...)
Em Portugal, a moeda de troca foram meia dúzia de contratos de construção, sem quaisquer garantias, assumidos por algumas empresas sob duvidosíssimo patrocínio político. E foi a prometida injecção de capital no BANIF, banco resgatado com dinheiro dos contribuintes. E ainda um possível investimento no BCP, já controlado pela petrolífera estatal angolana. Pergunto-me se ficarão descansados os accionistas, investidores e depositantes destes bancos e empresas, quando passam a depender e a ser identificados como parceiros de um regime notoriamente criminoso e sem escrúpulos, que enfrenta processos judiciais em França e nos Estados Unidos por criminalidade económica e financeira? E as entidades reguladoras, poderão considerar que estes são investimentos saudáveis e isentos de riscos para as instituições bancárias e para a economia portuguesas?
Há alarmantes riscos decorrentes da promiscuidade empresarial com o regime de Obiang: veja-se o caso do empresário italiano Roberto Berardi, que criou uma empresa com o vice-presidente Teodorin Obiang: após detectar e questionar o esquema de desvio de fundos utilizado por Obiang através dessa empresa, foi preso na Guiné Equatorial e tem sido torturado, encontrando-se neste momento em risco de vida. (...)"
Relacionado com este tema, vale a pena ler o que Paulo Agostinho escreveu no Público de 23 de julho: Na Guiné Equatorial os negócios de risco podem acabar na prisão:
Em 2011, por ocasião da cimeira da União Africana, foram construídos 52 palácios, um para cada um dos chefes de Estado africano que esteve em Malabo. Por todo o território estão repetidos, com a mesma traça, prédios de construção chinesa, conhecidos como habitação social. “Construíram pontes enormes, como a de Lisboa, por onde passam 20 carros por dia”, explica Andrés Esono Ondo, líder do CPDS (Conferência para a Democracia Social), o único partido da oposição com assento no Parlamento – tem um lugar em cem deputados.
“Vão construindo infra-estruturas que não servem a população” e “aqui, em Malabo, não há água potável”, tal como em Bata, acusa. E critica o investimento nas forças de segurança. “Só em Malabo, nos últimos seis anos construíram-se oito quartéis militares modernos, mas o Governo não construiu nenhuma escola pública em 35 anos de poder”, diz. (...) Oficialmente, o país produz 380 mil barris de petróleo por dia, mas há quem suspeite que a produção seja superior. O controlo da produção é assegurado pelo ministro do Petróleo, Gabriel Obiang Lima, filho do Presidente, e pela empresa pública GEpetrol, liderada por um cunhado do chefe de Estado. O jornal guinea-ecuatorial.net, liderado por exilados em Espanha, indica a multinacional Glencore como uma das responsáveis pelo desvio do petróleo do país para outros canais. Andrés Esono também duvida das contas do petróleo: Tudo serve para “lavar dinheiro” e “desviar recursos do Estado”.
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