“Naquele dia, passada menos de meia hora da minha entrada, ser-me-ia anunciado que o procurador-geral-adjunto, Rodrigues Maximiano, munido de um mandato de busca passado vinte dias antes, estava na recepção e pretendia falar comigo. Mas, apesar de então ter pedido para falar comigo diria, depois, que a minha presença não seria obrigatória. Dir-me-ia, então, existirem suspeitas de difamação do governador de Macau ou de burla à Weidleplan. Perguntar-me-ia pelo fax do qual eu imeditamente lhe disse ter conhecimento mas não possuir comigo. Mandou então proceder à busca no meu gabinete e, cinco segundos passados, o subinspector António Coutinho da PJ, exclamando «cá está ela», encontra num compartimento sem fechadura da mesa do telefone, uma caixa de cartão ainda com cintas de maços de notas. Perante a minha estupefacção perguntaria aos funcionários se alguma vez tinham visto aquela caixa. Todos negariam alguma vez terem visto aquela caixa e em especial a minha secretária, que tinha acesso ao meu gabinete assim como as mulheres da limpeza, de uma firma exterior à Emaudio. Eu guardava medicamentos naquele compartimento e não era verosímil tal caixa ali ficar esquecida desde Janeiro de 1989! Servia, contudo, perfeitamente, a tese da «burla» preparando-se então o procurador-geral-adjunto e sua comitiva para abandonar o edifício. Eu há muito estava desconfiado de que algo estava a ser tramado contra mim. Assim, antes de partir para os EUA a 15 de Abril, colocara quatro recibos de pagamentos a Carlos Melancia num envelope branco com o meu nome e mandara-os colocar na casa forte. Outros documentos que eu ali mandara colocar, não despertariam o menor interesse. Mandara-os lá colocar para o que desse e viesse. Aliás, estou hoje fortemente convencido de que se eu não tivesse provocado o aparecimento daqueles documentos, teria sido logo ali detido e o rumo da chamada investigação, que então eu baralhara, iria conduzir-me a mim e a Menano do Amaral ao banco dos réus acusados de ter «burlado» a Weidleplan e «difamado» o governador de Macau. Mas quando vi a caixa ser produzida, além de surpreendido tive a nítida sensação de que fora lá recentemente colocada por alguém e que o subinspector sabia o que procurava. Assim, num ápice, quando Rodrigues Maximiano já se preparava para dar por terminada a sua rápida busca e, convencido de que aquele procurador me iria deter ali mesmo, vi a palavra «burla» diante de mim e «forçá-los-ia» a continuar a busca e a visitar a caixa forte, para encontrar os documentos. Esta caixa deveria ter sido um elemento fundamental na investigação mas, lamentavelmente, Rodrigues Maximiano só lhe ligaria importância para a considerar no quadro das declarações de Stercht Monteiro, isto é, que fora «aquela» caixa que transportara os cinquenta mil contos embora se enquadrasse, perfeitamente, no timing do complot que eu penso ter sido fabricado contra mim e já descrito. Considerei o desinteresse de Maximiano e a falta de isenção em não querer aprofundar as investigações sobre a referida caixa, como chocantes. Por esse motivo ficaria sempre com as maiores dúvidas sobre se o procurador, ao contrário do que acontecera comigo, não saberia antecipadamente que ali iria encontrar aquela caixa.”
Contos proibidos, por Rui Mateus – Publicações D. Quixote lda, 1996, pp335-336
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