segunda-feira, 22 de julho de 2013

Contos proibidos (54)

“A primeira dessas crises viria a propósito de um subsídio de dez milhões de dólares que o Governo pretendia que a Fundação atribuísse ao Hospital da Prelada. O primeiro-ministro quisera desde logo mostrar que era ele quem mandava na fundação, transmitindo através de Machete este seu desejo que nada tinha que ver com as áreas de actuação previamente definidas de desenvolvimento do sector económico privado, da ciência e tecnologia, educação, desenvolvimento regional e a da cultura. O ex-líder do PSD não estava exactamente de acordo com Cavaco Silva, com quem aliás não simpatizava,
mas como era o único PSD na FLAD era através dele que o primeiro-ministro enviava os seus «recados». O presidente do Conselho Executivo, Donald Finnberg, nunca aceitaria a exigência do Governo nem o facto dela não lhe ter sido transmitida directamente e, recusá-la-ia, considerando-a uma intolerável ingerência. Seríamos assim chamados à ministra da Saúde, Leonor Beleza que nos informaria mais ou menos de que a vontade do Governo era para ser cumprida. O Conselho Directivo decidiria que na realidade a FLAD não deveria entrar em conflito com o Governo uma vez que todos
os seus órgãos portugueses dependiam do primeiro-ministro e se essa fosse de facto a vontade do primeiro-ministro então só nos restava aceitar ou a demissão. Nem Finnberg nem o embaixador aceitariam, contudo, tal atitude afirmando que a Fundação era uma organização autónoma. Depois de reunir com a ministra da Saúde receberíamos a mesma mensagem do MNE, Pires Miranda e, em virtude da continuada renitência dos americanos, seríamos chamados a São Bento para um encontro com o primeiro-ministro, Cavaco Silva. Cavaco Silva, seria extremamente cordial comigo e mesmo caloroso com Frank Shakespeare mas, praticamente, ignoraria os membros do Conselho Executivo. Falaria sempre em inglês num gesto de cortesia para com Shakespeare, que desconhecia a língua de Camões, e seria extremamente cordato com a posição dos americanos. Todos notariam, contudo, que sempre que Rui Machete usava da palavra nunca teria resposta do primeiro-ministro que pura e simplesmente ignoraria a sua presença. (...) Apesar do «quero, posso e mando» das insistências iniciais para financiar aquele projecto na área da saúde, as exigências do governo de Cavaco Silva seriam substancialmente reduzidas acabando por ser «emprestados» 5 milhões de dólares àquele hospital como excepção à regra. Mas, quando Frank Shakespeare, por razões de natureza política foi retirado de Portugal, após apenas um ano de mandato, o então chargé d'affairs, Alan Flanigan, pretendeu cancelar tal acordo com a ameaça de que a ser levado por diante conduziria à interrupção
do financiamento da Fundação. Rui Machete passaria então ao ataque, considerando a atitude dos americanos como sendo uma intolerável «intromissão» nas decisões do Governo de Portugal, uma vez que, segundo ele, a FLAD era portuguesa e as verbas com que era dotada, embora oriundas dos EUA, eram dadas à Fundação pelo Governo de Portugal.

Contos proibidos, por Rui Mateus – Publicações D. Quixote lda, 1996, pp271-272

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