segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A arte de furtar (8)

“Ver que faça dois ofícios e três e quatro e sete occupações um só homem que escassamente tem talento para um cargo, é ponto que faz fugir o lume dos olhos e pouca vista é necessária para ver, que não pode estar isto sem grandes ladroíces. E a primeira é que come os ordenados com que se poderiam sustentar, satisfazer e ter contentes quatro ou cinco homens de bem que o merecem. A segunda, e maior de todas, que como é impossível assistir um só sujeito a tantas coisas diferentes, passam-lhe pela malha mil obrigações de justiça, não dando satisfação às partes, trazendo-as arrastadas muitos meses, com gastos imensos fora de suas pátrias, e no fim despacham mil disparates por escrito, para serem mais notórios porque não têm tempo para verem tantas coisas nem memória para compreenderem as certezas que se lhe praticam. E quando vão a alinhavar as resoluções, escapam-lhe os pontos e embaraçam-se as linhas que tinham lançado uns e outros, e perde-se o fiado e o comprado e o vendido.”

A Arte de Furtar, Tomé Pinheiro Da Veiga/Padre António Vieira, p308  – Oficina de Martinho Schagen, Amsterdão 1744

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