domingo, 25 de novembro de 2012

A arte de furtar (7)

“Que um Ministro, que tinha por ofício pagar quartéis de juros, e tenças a todo o mundo, foi sonegando muito a título de não haver dinheiro, e em poucos anos com esta e outras indústrias tão maliciosas como esta, ajuntou mais de cem mil cruzados , de que deu oitenta mil a el-rei nosso Senhor, gabando-se que os poupara aos poucos e que eram frutos (melhor dissera furtos) da pontualidade e primor, que guardava em seu real serviço. Estimou Sua Magestade o lanço, tendo-o por legítimo, tanto que lhe deu por ele uma comenda de cem mil reis. No cabo de sua velhice apertou com ele o escrúpulo, e tratando de sua salvação, se foi à  Mesa da Fazenda e disse que devia mais à sua alma que a seu corpo e que para descargo de sua consciência declarava ali que toda quanta fizenda tinha era furtada dos bens da Coroa e das tenças, e juros de todo o Reino, que mandassem logo tomar posse de tudo em nome de Sua Magestade. Tinha este um filho, que já servia o mesmo ofício do pai, e lograva a fazenda, que era muita. Sabendo o que passava, põem em pés de verdade que seu pai estava doido: prendeu-o em casa , amarrou-o com huma cadeia, sem o deixar falar com gente, e tal trato lhe deu, que era bastante, para lhe dar volta o miolo, e com esta arte evitou a restituição que o pai queria fazer a el-rei e às partes do que maliciosamente tinha furtado.”
A Arte de Furtar, Tomé Pinheiro Da Veiga/Padre António Vieira, p226-227 – Oficina de Martinho Schagen, Amsterdão 1744

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