sexta-feira, 2 de maio de 2025

REFLEXÃO: A FICÇÃO POLPA DE MOÇAMBIQUE

Foto: Juan Maza Calleja

Sentado ao lado do seu trator avariado, Luís André Naite tem poucas esperanças de recuperar as suas terras. Mais de 100 hectares, onde outrora cultivava milho, tabaco e feijão, estão agora ocupados por plantações de eucaliptos de uma empresa portuguesa.

Após o fim da guerra civil no país da África Austral, no início da década de 1990, Naite beneficiou de programas de cooperação internacional para cultivar as extensas terras sobre as quais tinha herdado direitos de utilização. Em poucos anos, empregou oito trabalhadores permanentes e muitos trabalhadores sazonais para ajudar na altura das colheitas.

"Costumávamos produzir 1.300 sacos de milho e sementes de girassol por dia, vendendo-os diretamente a uma empresa nacional na Beira", recordou.

Hoje, os camiões que chegam à Beira entregam sobretudo toros de eucalipto para exportação a partir do porto. Empilhados enquanto aguardam o embarque para Aveiro, em Portugal, os troncos são o produto de um projeto português de pasta de papel que está a expandir-se rapidamente para as zonas rurais do país. A Portucel Moçambique, uma subsidiária da fabricante de pasta de papel e papel The Navigator Company, obteve do governo moçambicano os direitos de uso e exploração de 356.000ha, dois terços dos quais - cerca de 240.000ha - estão destinados a plantações densas de eucalipto. Entre elas, as terras de Naite, que cedeu à Portucel há 10 anos, acreditando que daí adviriam benefícios financeiros que ficaram muito aquém das suas expectativas.

Indústria da pasta de papel

O eucalipto é um recurso fundamental para a crescente indústria mundial da pasta de papel, fornecendo a matéria-prima essencial para a produção de todos os tipos de papel e cartão. Prevê-se que a sua utilização aumente à medida que substitui as embalagens de plástico de utilização única em toda a Europa.

O comércio eletrónico, a entrega de alimentos e a transição ecológica da Europa estão a impulsionar um aumento da procura, estimulado pela diretiva da União Europeia relativa às embalagens, aprovada em abril de 2024. As novas regras exigem que os países da UE reduzam os resíduos de embalagens de plástico e incluem objetivos de redução de embalagens para os próximos 15 anos.

Portugal é o maior produtor europeu de celulose à base de eucalipto, a fibra vegetal que é transformada em pasta. Os eucaliptos têm um crescimento muito rápido, o que os torna ideais para a produção de papel industrial, utilizado em tudo, desde papéis gráficos e folhas de escritório a materiais de cartão e papel higiénico.

"Nos últimos 20 anos, o consumo de celulose na Europa aumentou 22%, enquanto a oferta das florestas europeias cresceu apenas 9%. A lacuna foi preenchida pelas importações", disse Sergio Baffoni, coordenador de campanha da Environmental Paper Network, que trabalha para transformar a indústria da pasta e do papel.

O gigante industrial

A Portucel Moçambique conta com a Sociedade Financeira Internacional, um ramo do Banco Mundial, como acionista com 20%. A The Navigator Company, anteriormente conhecida como Grupo Portucel-Soporcel, é um gigante industrial português que contribui com 1% do PIB de Portugal. Em 2009, assinou um acordo com o governo moçambicano para investir 2,5 mil milhões de dólares no projeto Portucel Moçambique, o maior investimento estrangeiro no sector florestal desde a independência de Portugal em 1975.

Com uma rotação mínima de corte de árvores de sete a oito anos, até à data só exportou nove carregamentos, num total de 285 mil metros cúbicos de madeira, para Portugal, a partir do porto da Beira. O eucalipto cultivado em Moçambique destina-se também a abastecer o mercado asiático, nomeadamente a China, que tem uma procura significativa de celulose.

A Portucel planeava instalar uma fábrica de produção de celulose em Moçambique, que produziria 1,5 milhões de toneladas de celulose por ano para exportação. No entanto, o projeto está agora atrasado devido a problemas de infra-estruturas, nomeadamente a construção de um porto de águas profundas em Macuse, uma componente logística essencial para o manuseamento dos volumes de exportação previstos.

Na Zambézia, uma província no centro de Moçambique, a Portucel inaugurou o maior viveiro de eucaliptos de África em 2015. Até 2023, estava a produzir anualmente 1,3 milhões de plantas clonadas, 66% das quais se destinam às plantações da empresa. Até à data, foram plantados apenas 14.000ha dos 237.000ha planeados (menos de 6%), mas não sem provocar o descontentamento das comunidades locais.

'Cultura preguiçosa'

Em Portugal, muitos proprietários rurais das regiões centro e norte começaram a plantar eucaliptos na década de 1980 porque a espécie parecia exigir pouco trabalho e oferecer um bom rendimento: ainda hoje é referida por muitos como uma "cultura preguiçosa". Desde então, o eucalipto tornou-se a espécie dominante em Portugal, cobrindo 26% da área florestal total - a maior proporção do mundo em relação à dimensão do país. A promessa de lucro fácil para as pequenas parcelas privadas levou a uma transformação da paisagem, mas não teve o retorno esperado e uma grande parte das plantações de eucalipto em Portugal foi abandonada.

Nativos da Austrália, os eucaliptos são invasores e, se deixados em estado selvagem sem desbaste florestal, são uma bomba-relógio para os incêndios. O Governo português decidiu travar a sua propagação após a tragédia de Pedrogão Grande em 2017, um enorme incêndio que matou 66 pessoas e queimou 53 000 hectares de terreno, metade dos quais estavam cobertos por eucaliptos. "Em termos de biodiversidade, é perigoso porque cria ciclos de fogo muito mais frequentes. E como é uma monocultura, poucas outras espécies conseguem coexistir com ela, o que significa que também há menos aves, mamíferos e insectos", afirmou Domingos Patacho, da organização ambientalista portuguesa Quercus.

Após cada incêndio registado em Portugal, o eucalipto é frequentemente a primeira planta a brotar das cinzas. Tendo evoluído na Austrália num ambiente propenso a incêndios, a sua forte resiliência permite-lhe recuperar rapidamente, dando-lhe uma vantagem competitiva sobre as plantas nativas.

Espécie sedenta

É também uma espécie sedenta e utiliza a água que encontra com as suas raízes para crescer rapidamente, antes de outras espécies. É por isso que, em Portugal, cada novo incêndio levanta cada vez mais suspeitas sobre estas plantações, apesar de o setor continuar a negar qualquer relação entre a planta e os incêndios.

Em Moçambique, a chegada de grandes plantações de eucalipto é relativamente recente, e até agora não se registaram incêndios. O clima é diferente do de Portugal, mas o eucalipto continua a ser uma espécie que precisa de água para crescer rapidamente e, nas regiões do centro, há períodos de seca cada vez mais prolongados.

Mugabe Augusto cedeu os seus 1,7ha de terreno para dar lugar a eucaliptos, e o que antes era o seu campo faz agora parte de uma plantação simétrica rodeada de vegetação rasteira seca, indistinguível das parcelas de terreno circundantes. Aponta para o poço onde costumava ir buscar água quando a sua família cultivava a terra, agora rodeado por fileiras de eucaliptos com mais de 15 metros de altura. "Desde que plantaram aqui, este poço e outros na área secaram porque o eucalipto absorve muita água do solo", disse Augusto. Outras pessoas entrevistadas confirmaram que vários poços secam durante a estação seca, e todos eles estão perto das plantações. No entanto, a empresa respondeu que os poços apontados pelos entrevistados já estavam secos antes da chegada das plantações. Segundo a Portucel, não há correlação entre o rebaixamento do lençol freático e os eucaliptos. No entanto, organizações como a ONG moçambicana Justiça Ambiental têm recolhido queixas semelhantes de comunidades da província da Zambézia nos últimos anos.

Contaminação das águas subterrâneas

A utilização de herbicidas e fertilizantes nas florestas de eucalipto pode também ter contaminado as águas subterrâneas locais e os poços utilizados para fins domésticos. Durante esta investigação, verificou-se que funcionários da Portucel Moçambique estavam a utilizar o pesticida tiametoxame, aplicado nas raízes das plantas, onde é absorvido. O tiametoxame, desenvolvido pela Syngenta na década de 1990, mata insetos que podem danificar o tronco, como as térmitas, mas também polinizadores como as abelhas, razão pela qual a sua utilização no exterior foi proibida em 2018 em todos os países da UE. A substância é considerada moderadamente perigosa para os seres humanos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, mas pode ter efeitos graves se for ingerida em grandes quantidades. Em resposta, a Portucel afirmou que as substâncias utilizadas estão dentro dos parâmetros legais do país, de acordo com as normas estabelecidas pelo IFC e recomendações indicadas por sistemas internacionais de certificação. A empresa informou que a água dos reservatórios próximos às plantações é testada antes e depois de cada estação chuvosa.

Davide Mancini, Juan Maza Calleja e Boaventura Monjane - Oxpeckers.

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