sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Bico calado

Como ganhar eleições, por Rui Zink in Público.

“(...) 1. A única forma de ganhar eleições é abandonar o voto obrigatório. Então será fácil convencer uma boa fatia de eleitores de que o seu voto "não conta para nada". (Ou até dificultar acessos, no embate entre os Bush e Al Gore na Flórida em 2000 funcionou.)
2. Sim, se os nossos candidatos forem maus, devemos tentar melhorá-los, blablá, blablá. Mas, e se não for possível melhorá-los? Aí, nada de desespero: basta baixar o nível dos outros ao nosso. Como? Espalhando a ideia-feita de que «os políticos são todos iguais». Ora, se são todos iguais, o voto passa a ser aleatório. E, como nos tempos de Collor, pode enfim voltar a ganhar o mais giro.
3. Só vale a pena carregar a tecla da corrupção se não houver riscos de ela fazer ricochete. 
4. O PT deu aos pobres uma bolsa-família de 70 reais mensais (30 euros)? Em vez de pôr em causa tal desaforo, Aécio devia ter proposto uma bolsa-família ainda mais voluptuosa. Digamos 100 reais, ou mesmo 600. Por que não, se de qualquer modo não seria para cumprir? Depois poderia culpar a antecessora, por não permitir pagar a promessa. Em Portugal resulta. (...)
6. Queimem autocarros se o preço dos bilhetes for caro. É sabido que ajuda sempre os transportes públicos a serem melhorados.
7. Ataquem dos dois flancos. Acusem os partidos de esquerda de serem de esquerda, "coisa que já não se usa", mas também de não serem de esquerda, "a verdadeira". Para isso há que extremar posições. Se não houver um partido de extrema-esquerda disponível a ser hospedeiro, criem um. Atacar pelos dois lados reduz a margem de manobra dos adversários. Nesse aspecto, o furacão Marina até foi interessante. (...)
9. Monopolizem o comentário político. Antigamente convinha dirigir a máquina do Estado para conseguir censurar como deve ser. Hoje, graças a Deus, não é preciso. Se os media estiverem em boas mãos (e a tendência é para estarem cada vez mais em boas mãos), a coisa irá por si. Não precisam de matar rivais, isso deixa nódoas, basta desligar-lhes o microfone.
10. Como passar então a imagem de imparcialidade & pluralismo? Muito simples, basta que os comentadores autorizados vão distribuindo as críticas e os elogios, excepto na ocasião certa e na coisa certa. Por exemplo, um comentador pode elogiar o corte de cabelo do candidato adversário, ou a sua simpatia, ou o modo experiente como enfiou uma nota de cem no bolso. Se contratarem um adversário para comentador, escolham-no feio, com cara de pusilânime ou, tão-só, impopular. Pusilânime: a Fox tem ocasionalmente um comentador democrata ao qual parece faltar o queixo. Impopular: a RTP tem ao domingo um comentador socialista ao qual falta um espelho.

Jornalistas e preguiçosos, por Alberto Pinto Nogueira in Público.

“(...) O primeiro-ministro não se cansa de não surpreender. Honra a língua materna como ninguém. No uso correcto da linguagem correcta. Adoptou na governação a criatividade linguística da Jota. É o povo “piegas”. A “salsicha educativa”. O “striptease bancário”. O “fanatismo orçamental”. A "pancada” no povo. É “essa gente” toda. Encolhemos os ombros: “coisas da juventude”. Já passa. Não passa. É modo de ser. Só a palavra imprópria já é mau. Constrange. É o primeiro-ministro!
Se se passa às ideias, a coisa complica-se. Eça não tem razão! O primeiro-ministro não quer só o louvor da imprensa. Exige o acordo da imprensa. Se o jornal não louva e concorda, é preguiçoso. Patético. No seio da família partidária, entusiasma-se. A unanimidade inebria-o. Subestima ensinamentos mínimos da vida. A prudência de duvidar do unanimismo. Embalado com tanta razão, descura a lucidez. O entusiasmo enevoa a clareza de espírito. Toma-se a parte pelo todo.
A preguiça procria juízos ligeiros. Os jornalistas não estudam, não analisam. São calaceiros. Falam de cor. Deviam seguir-lhe o exemplo. Tudo estuda com minúcia. De tudo fala com rigor. Nunca diz ora uma coisa, ora outra. Nunca se engana! São uns preguiçosos.
São patéticos!  Exagerados. Inventaram a austeridade da qual nunca mais se sai. A dívida sempre crescente. O défice que não desce. O futuro sem futuro. (...)”

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