quinta-feira, 24 de julho de 2014

Bico calado

A memória deles pode ser curta, a minha não, por Ana Gomes in Público de 23jul2014

"A Guiné Equatorial torna-se hoje membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) por aceitação unânime de todos os Estados-membros. Apesar das denúncias de detenções arbitrárias e execuções, apesar das torturas e desaparecimentos, apesar da corrupção desenfreada e desmascarada. Pergunto, hoje, no que se tornará a CPLP?
Os actuais líderes da CPLP regozijam-se com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, pelos benefícios, o investimento, a "dimensão económica estratégica" trazidos por este país de riquíssimos recursos naturais, que abre oportunidades sem par para as empresas dos restantes países. Todos ganhamos, juram eles. (...)
Em Portugal, a moeda de troca foram meia dúzia de contratos de construção, sem quaisquer garantias, assumidos por algumas empresas sob duvidosíssimo patrocínio político. E foi a prometida injecção de capital no BANIF, banco resgatado com dinheiro dos contribuintes. E ainda um possível investimento no BCP, já controlado pela petrolífera estatal angolana. Pergunto-me se ficarão descansados os accionistas, investidores e depositantes destes bancos e empresas, quando passam a depender e a ser identificados como parceiros de um regime notoriamente criminoso e sem escrúpulos, que enfrenta processos judiciais em França e nos Estados Unidos por criminalidade económica e financeira? E as entidades reguladoras, poderão considerar que estes são investimentos saudáveis e isentos de riscos para as instituições bancárias e para a economia portuguesas?
Há alarmantes riscos decorrentes da promiscuidade empresarial com o regime de Obiang: veja-se o caso do empresário italiano Roberto Berardi, que criou uma empresa com o vice-presidente Teodorin Obiang: após detectar e questionar o esquema de desvio de fundos utilizado por Obiang através dessa empresa, foi preso na Guiné Equatorial e tem sido torturado, encontrando-se neste momento em risco de vida. (...)"

Relacionado com este tema, vale a pena ler o que Paulo Agostinho escreveu no Público de 23 de julho: Na Guiné Equatorial os negócios de risco podem acabar na prisão

Em 2011, por ocasião da cimeira da União Africana, foram construídos 52 palácios, um para cada um dos chefes de Estado africano que esteve em Malabo. Por todo o território estão repetidos, com a mesma traça, prédios de construção chinesa, conhecidos como habitação social. “Construíram pontes enormes, como a de Lisboa, por onde passam 20 carros por dia”, explica Andrés Esono Ondo, líder do CPDS (Conferência para a Democracia Social), o único partido da oposição com assento no Parlamento – tem um lugar em cem deputados.
“Vão construindo infra-estruturas que não servem a população” e “aqui, em Malabo, não há água potável”, tal como em Bata, acusa. E critica o investimento nas forças de segurança. “Só em Malabo, nos últimos seis anos construíram-se oito quartéis militares modernos, mas o Governo não construiu nenhuma escola pública em 35 anos de poder”, diz. (...) Oficialmente, o país produz 380 mil barris de petróleo por dia, mas há quem suspeite que a produção seja superior. O controlo da produção é assegurado pelo ministro do Petróleo, Gabriel Obiang Lima, filho do Presidente, e pela empresa pública GEpetrol, liderada por um cunhado do chefe de Estado. O jornal guinea-ecuatorial.net, liderado por exilados em Espanha, indica a multinacional Glencore como uma das responsáveis pelo desvio do petróleo do país para outros canais. Andrés Esono também duvida das contas do petróleo: Tudo serve para “lavar dinheiro” e “desviar recursos do Estado”.

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